segunda-feira, 31 de agosto de 2020

Caos organizado


Eu tenho seguro, pago o Fundo Rodoviário (devia ser buracário), e tenho a inspecção periódica obrigatória em dia. Ninguém me acode! AAS

Nô bai

OPINIÃO: CONSTITUIÇÃO DE UMARO SISSOCO EMBALÓ: UMA TENTATIVA DE EXCLUSÃO POLÍTICA

O projecto de revisão da Constituição da Guiné-Bissau recomendado e entregue ao Presidente Umaro Sissoco Embaló tem indícios de flagrantes tentativas de exclusão de todos os nacionais guineenses.

De acordo com uma notícia da LUSA, “a proposta refere que só pode ser candidato ao cargo [do Presidente da República] quem tiver tido residência permanente no território nacional nos cinco anos imediatamente anteriores à data de apresentação da candidatura”.

Curiosamente, se esta Constituição que o próprio Sissoco Embaló parece contemplar estivesse activa, ele não estaria em condições de se candidatar à Presidência da República, pela sua ausência quase permanente do país.

Os países que tentaram sancionar os seus cidadãos, por via constitucional, acabam sempre ser vitimas dessas próprias acções -- Haiti, Equador, Argentina (Péron,1946),Venezuela (Chavez), Chile, Filipinas (Feridinando Marcos, 1972), Brasil (Getúlio Vargas, 1930-’45), etc.

Portanto, se eu fosse o Presidente da República teria, antes, defendido o princípio de inclusão política de TODOS, em vez de tentar impedir homens e mulheres guineenses (por nascença) de participarem no processo de livre escolha popular. A residência permanente nunca será mais importante do que a própria nacionalidade (que não deve ser confundida com a “naturalização”).

Fica aqui a minha posição. Mas, caberá aos Deputados da Nação defender o princípio de equidade e igualdade entre todos os guineenses – residentes ou não no país.

Assim que tiver um tempo, farei um esboço de países, cujos líderes – por medo dos seus oponentes ou na tentiva de autoritarismo --tentaram alterar e “impingir” revisões constitucionais, mas que acabaram sempre em graves desastres políticos (e constitucionais) e deixaram feridas profundas e permanentes nos processos democráticos e sociais nos respectivos países.

Tal como os terceiros mandatos constituem “Golpes de Estado”, as tentativas de barrar cidadãos nacionais de certas funções -- por via "constitucional" também não passam de “golpes” graves contra a cidadania.

Não devemos permitir que isso aconteça na Guiné-Bissau.

Mestre Umaro Djau
31 de Agosto de 2020

SOLIDARIEDADE: Sindicato dos Magistrados do Ministério Público

PODER TOTAL: Projeto de revisão constitucional na Guiné-Bissau reforça poderes do Presidente

(NA GUINÉ-BISSAU, A RESPONSABILIDADE PELA ALTERAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO É APENAS E SÓ DA ASSEMBLEIA NACIONAL POPULAR)

A proposta do projeto de revisão constitucional na Guiné-Bissau reforça os poderes do Presidente, que passa a presidir ao Conselho de Ministros, ao Conselho Superior de Defesa e ao Conselho de Segurança Nacional.

No projeto de revisão da Constituição da Guiné-Bissau, entregue na semana passada ao Presidente guineense, Umaro Sissoco Embaló, e a que Lusa teve acesso, o artigo referente às atribuições do Presidente da República passa a dizer que o chefe de Estado preside ao Conselho de Ministros.

Na atual Constituição, o artigo refere que o Presidente preside ao “Conselho de Ministros, quando entender”.

A questão da presidência do Conselho de Ministros é reforçada no artigo referente à constituição daquele órgão, que ao contrário da Constituição em vigor, que determina que é presidido pelo primeiro-ministro, refere que o chefe de governo pode “presidir ao Conselho de Ministros por delegação do Presidente da República”.

Ainda em relação ao Presidente da República, a proposta refere que só pode ser candidato ao cargo quem tiver tido “residência permanente no território nacional nos cinco anos imediatamente anteriores à data de apresentação da candidatura”, limitando as candidaturas de cidadãos que não residam no país.

Sobre a nomeação do primeiro-ministro, o projeto de revisão modifica a reformulação relativa à nomeação e exoneração do primeiro-ministro, que passar a dizer que o Presidente nomeia ou exonera “tendo em conta os resultados eleitorais e a existência ou não de força política maioritária que garanta estabilidade governativa e por coligações ou alianças, depois de ouvidos os partidos políticos representados no parlamento”.

Segundo a Constituição da Guiné-Bissau, as propostas de revisão têm de ser aprovadas por maioria de dois terços dos deputados que constituem a Assembleia Nacional Popular, ou seja, 68 dos 102 deputados.

A Guiné-Bissau vive uma crise política desde as eleições presidenciais.

O Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), vencedor das legislativas de 2019, não reconhece o atual chefe de Estado do país, Umaro Sissoco Embaló.

Depois de a Comissão Nacional de Eleições ter declarado Umaro Sissoco Embaló vencedor da segunda volta das eleições presidenciais, o candidato dado como derrotado, Domingos Simões Pereira, líder do PAIGC, não reconheceu os resultados eleitorais, alegando que houve fraude e meteu um recurso de contencioso eleitoral no Supremo Tribunal de Justiça, que não tomou, até hoje, qualquer decisão.

Umaro Sissoco Embaló assumiu unilateralmente o cargo de Presidente da Guiné-Bissau em fevereiro e acabou por ser reconhecido como vencedor das eleições pela Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO), que tem mediado a crise política no país, e restantes parceiros internacionais.

Após ter tomado posse, o chefe de Estado demitiu o Governo liderado por Aristides Gomes, saído das eleições legislativas de 2019 ganhas pelo PAIGC, e nomeou um outro liderado por Nuno Nabian, líder da Assembleia do Povo Unido-Partido Democrático da Guiné-Bissau (APU-PDGB), que assumiu o poder com o apoio das forças armadas do país, que ocuparam as instituições de Estado.

Nuno Nabian acabou por fazer aprovar o seu programa de Governo no parlamento guineense, com o apoio de cinco deputados do PAIGC, que o partido considera terem sido coagidos.

Em relação à proposta de projeto de revisão constitucional, o PAIGC já acusou Umaro Sissoco Embaló de fazer um “golpe palaciano” para tentar “usurpar” os poderes do parlamento com a revisão Constitucional.

Embaló afirmou que não haverá mais nenhum projeto de proposta de revisão constitucional.

Num comunicado enviado à imprensa, o PAIGC apelou a “todas as forças nacionais que defendem a legalidade do Estado de Direito, bem como à sociedade civil, assim como a todos os guineenses para denunciarem mais este “golpe palaciano” e a criarem uma “frente conjunta” para “travar mais uma inconstitucionalidade”.

O Presidente guineense criou em maio uma Comissão Técnica para a Revisão Constitucional, coordenada pelo jurista e advogado guineense Carlos Joaquim Vamain, que integra também a antiga presidente do Supremo Tribunal de Justiça Maria do Céu Monteiro.

A comissão entregou na quinta-feira a Umaro Sissoco Embaló a proposta de revisão da Constituição.

Os principais parceiros internacionais da Guiné-Bissau têm insistido na necessidade da revisão constitucional para minimizar os conflitos políticos no país. Lusa

COVID-19/GUINÉ-BISSAU: Mais uma morte

domingo, 30 de agosto de 2020

Ampus

«Nés ritimo di arte baratu,
Tchebudjen pa li, pôbar pa lá
Terra pirdi ton, terra pirdi alma
Di nós nada ka resta.»


Adriano "Atchutchi", Mama Djombo

sábado, 29 de agosto de 2020

Guiné-Bissau: “A CEDEAO cometeu um golpe de Estado ao violar o artigo 145 da lei eleitoral”, acusa o advogado Sana Canté

FONTE: ATLANTICACTU

Quase 6 meses após Umaro Sissoco Embaló prestar o juramento, um dos candidatos presidenciais na Guiné-Bissau foi investido como presidente em um hotel de luxo, enquanto os resultados da votação ainda são contestados por seu rival Domingos Simões Pereira. Este último intentou o Supremo Tribunal, o recurso interposto junto do Tribunal de Justiça da CEDEAO, conhecerá o seu epílogo.

A Atlanticactu teve uma entrevista exclusiva com o

Advogado Sana CANTÉ, Advogada do Tribunal da Guiné-Bissau e Presidente do MCCI.

Após o desejo da CEDEAO de instalar o candidato Umaru Embalo como presidente da Guiné-Bissau, o senhor apresentou o Tribunal de Justiça da CEDEAO, para que fins?

Sana Canté - A nossa ação judicial perante o Tribunal de Justiça da CEDEAO contra a Comissão da CEDEAO visa questionar a legitimidade do candidato Umaro Sissoco Embalo como Presidente da República da Guiné-Bissau por posse ilegal. Este recurso está sendo apresentado desde 11 de maio de 2020 a pedido dos Srs. Noronha Madiu Embalo, Demba Dabó e Isidoro Cassimiro Sá, todos representantes do
paig.

Até o momento, após interpor seu recurso, quais ações foram tomadas pelo Tribunal Regional? Você espera que esta causa seja ouvida?

Sana Canté- Como é do conhecimento geral, as eleições presidenciais de dezembro de 2019 na Guiné-Bissau foram contestadas pelo candidato declarado perdedor pela Comissão Nacional de Eleições (CNE). Domingos Simões Pereira interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça da República da Guiné-Bissau e enquanto se aguarda o referido recurso, que se arrasta até à data, os resultados das eleições presidenciais não surtiram efeito, nos termos do Legislação Eleitoral Nacional (conforme estipulado no artigo 145 ° suspendendo todos os efeitos). Portanto, não há presidente eleito na Guiné-Bissau. Ao impor ou legitimar um homem ao cargo de Presidente da República, é óbvio que a CEDEAO cometeu um golpe de Estado que desencadeou contra o Estado da Guiné-Bissau e contra o seu povo. De outra forma, é uma ingerência na jurisdição interna do Estado da Guiné-Bissau, nos termos do artigo. 2/7 da Carta das Nações Unidas e uma violação dos direitos humanos do povo da Guiné-Bissau pela escolha do seu próprio representante democraticamente eleito de acordo com a lei e a provisão de um sistema judicial independente e seguro. Com esta ação, acreditamos que o Tribunal Judicial da CEDEAO fará justiça justa ao caso.

Esperamos que o nosso caso seja ouvido durante a próxima sessão do Tribunal de Justiça. Todos os documentos processuais foram levados e levados em consideração pela Secretaria. Além disso, são magistrados respeitáveis ​​que respeitam a lei, por isso não tememos, deste ponto de vista, que a lei não esteja a ser dita.

Se o Tribunal decidiu extraordinariamente a favor do seu cliente, o candidato do Paigc, DSP, acha que os chefes de Estado da CEDEAO o ajudarão a fazer cumprir uma decisão?

Sana Canté- Em primeiro lugar e para sua informação, o nosso cliente não é o candidato Domingos Simões Pereira um dos candidatos presidenciais, mas sim três guineenses, membros da organização que presido: O Movimento dos Cidadãos Conscientes e não compatível (MCCI). Dada a natureza da violação pelas normas das leis nacionais e internacionais, todo cidadão guineense tem legitimidade para pedir ao Tribunal da CEDEAO o restabelecimento do reposicionamento da normalidade constitucional. E é isso que exigimos. Em segundo lugar, acreditamos que os juízes dos tribunais da CEDEAO irão preservar a sua integridade moral e profissional para decidir o caso de acordo com as leis e regulamentos em vigor, sem serem influenciados pelas posições políticas dos Chefes de Estado. E finalmente, se vencermos este caso, acreditamos que nossas ações serão respeitadas por todas as organizações e estados internacionais. Se entretanto não acontecer, participará na dupla violação do foro interno do Estado da Guiné-Bissau, será, portanto, óbvio, que os Estados membros não rogam pela democracia e pelo Estado de lei.
E isso seria um precedente perigoso para todos os políticos que pudessem ser privados do sufrágio legal concedido pelos cidadãos em benefício de interesses obscuros.

Hoje, Embalo é entronizado Presidente da República da Guiné-Bissau sem uma decisão do seu Supremo Tribunal, os atos que ele toma são legais?

Sana Canté - O candidato Umaro Sissoco Embalo só pode ser considerado Presidente da República golpista enquanto aguarda julgamento. Os soldados que os chefes de estado da CEDEAO chamam de golpistas no Mali não são diferentes de Umaru Embalo. No entanto, lógica para a lógica, se a CEDEAO pode conceder poder a um presidente ilegítimo na Guiné-Bissau espezinhando a Carta Nacional, porque não conceder às populações do Mali o fim de uma presidência corrupta e melhor. Quem pode fazer mais, pode fazer menos.

Com essa luta contra o autoproclamado regime de Embalo, você não está ameaçado, não teme pela sua vida?

Sana Canté - São frequentes contra mim as ameaças do regime do candidato golpista Umaro Sissoco Embalo nas últimas eleições presidenciais. Todos ao meu redor temem por minha vida, mas não é isso que me desmotiva. Patriotismo e amor incondicional pelo meu país, a luta pela defesa do Estado democrático de direito são os fatores que me impulsionam e sustentam meu compromisso com o cume de qualquer desafio.

Sabe, não vamos aceitar de novo o reinado do medo na Guiné-Bissau. Entre os verdadeiros narcotraficantes da América do Sul, a regra era “Plomo o Plata” e mesmo assim políticos como Álvaro Uribe na Colômbia lutaram muito arriscando suas vidas para trazer os criminosos para a prisão. Hoje, o mundo é uma aldeia global e é impensável que Umaru Embalo, independentemente do seu apoio na região da CEDEAO, pudesse continuar a praticar atos extrajudiciais.

Sana Canté, sua última palavra aos leitores da ATLANTICACTU.

Em primeiro lugar, gostaria de parabenizar o seu jornal pelo interesse que tem na África Ocidental com tratamentos que lhe permitem ter visibilidade política, de segurança e estratégica sobre o que está acontecendo ao nosso redor. Mas, a minha principal felicidade é ver o seguimento do tratamento da informação na Guiné-Bissau desde a campanha eleitoral de Dezembro passado até à data, dá-nos esperança pensar que os Guiné-Bissau não são uma entidade separada. Obrigado pelo seu interesse em nossa causa. Que Deus abençoe a África!

ESTADO DE DIREITO... TORTO: Prendam o 'ministro' Jorge Mandinga. Uma ordem é uma ordem é uma ordem!!! AAS

... Afinal alguém (que não eu) disse que a "prioridade é o combate à corrupção"...

África: Aumento do risco de instrumentalização dos Fulas para manipulação política

FONTE: E-GLOBAL

Ogossagou, Mali, Março de 2019, cerca de 160 pessoas de etnia Fula são massacradas. Em Janeiro, 48 pessoas de etnia Fula, 200 segundo a sociedade civil, foram assassinadas no Burkina Faso numa acção supostamente de represália das milícias Koglweogo ao ataque da aldeia Yirgou, atribuído aos jihadistas. Na Nigéria a mesma etnia é acusada de levar a cabo a “jihad Fula” e existir um “complot Fula” para islamizar todo o país. Também, na República Centro Africana (RCA) grupos fortemente armados maioritariamente Fulas e contrários ao programa de desarmamento justificam a sua existência como uma necessidade de autodefesa e protecção da minoria Fula no país.

“Está em curso um genocídio étnico”, denunciam militantes Fulas que defendem a criação de uma “Internacional Fula” política e de autodefesa. Outros, mais prudentes da adopção jurídica do termo “genocídio”, defendem que há uma real intenção de alguns Estados de pôr em prática um “genocídio cultural” da etnia Fula.

Apontada como o grupo mais disperso na África ocidental e central, a etnia Fula (também designada Fulani ou Peul, entre outras) é caracterizada, particularmente, pela actividade pastoral, nómada, de confissão muçulmana, em que partilha de algumas tradições e uma língua com raiz comum. No entanto não existe uma verdadeira homogeneidade nesta população. A dispersão geográfica, do Sahel à África Central e o processo secular de assimilação fez emergir múltiplas nações Fulas inseridas em Estados distintos, dos quais, vários, encaram as populações Fulas como “estrangeiros”, devido à sua mobilidade territorial.

Efeito colateral desta multitude de nações Fulas estão as rivalidades e divisões dominantes, tal como ficou patente entre os Fulas do Burkina Faso que encararam com desconfiança a chegada de refugiados Fulas do Mali, mas também dos Fulas nos Camarões indiferentes aos Fulas na RCA.

A fim de tentar promover uma certa homogeneidade da etnia Fula surgiram múltiplas organizações, com ambições internacionais, em que se destaca a Tabital Pulaaku Internacional, que todavia não goza de unanimidade devido à sua vertente quase exclusiva de promoção cultural Fula, abstraindo-se das questões políticas. A Tabital Pulaaku Internacional é igualmente criticada de ter-se tornado numa organização demasiadamente próxima dos governos e seguir uma linha oficial e estatal.

Como alternativa à Tabital Pulaaku Internacional, surgem organizações não-governamentais que não se esquivam das questões políticas que envolvem a etnia Fula e denunciam as acções de que os Fulas são alvo. Outras organizações com uma ambição marcadamente política, tentam emergir também e criar, implicando personalidades Fulas distintas, uma doutrina e agenda política multinacional que não descriminalize os Fulas e os defenda das “agressões” interétnicas e estatais. Ou seja, lançar os pilares para a consolidação de um lobby internacional Fula em África e em toda a Diáspora, com componentes culturais, sociais, económicas e políticas.

Laços familiares entre personalidades políticas Fulas conseguem ultrapassar as rivalidades e clivagens, constituindo informalmente uma confraria de influências, facilitações financeiras e interesses pessoais

Enquanto as organizações rivalizam-se em estratégias e definições, os laços familiares entre personalidades políticas Fulas conseguem ultrapassar as rivalidades e clivagens, constituindo informalmente uma confraria de influências, facilitações financeiras e interesses pessoais, na qual as comunidades Fulas não são a prioridade. Uma confraria que se estende, do Mali ao Senegal, da Guiné-Bissau ao Níger, da Mauritânia aos Camarões, do Burkina Faso à República Centro-Africana, entre outras conexões.

As comunidades Fulas tornaram-se também num capital de votos, ao qual os políticos não são indiferentes e para tal manifestam abertamente a sua origem Fula, tendo sido esta a estratégia do candidato à presidência no Mali, Soumaïla Cissé, na Nigéria com o presidente Muhammadu Buhari, ou do líder da oposição na Guiné Conacri, Cellou Dalein Diallo, mas também do presidente do Senegal, Macky Sall, que tenta sempre ser discreto quanto à sua origem Fula. Porém, ter um chefe de Estado Fula nem sempre beneficia esta população.

Frequentemente marginalizadas pelos poderes estatais, e estabelecidas fisicamente em territórios que pautam pela ausência das autoridades estatais, as comunidades Fulas tornaram-se no reservatório humano potencial de organizações islamistas radicais.

Sendo uma população maioritariamente muçulmana, que sente-se descriminalizada e abandonada no seu próprio país, está exposta e vulnerável à manipulação de organizações e predicadores que utilizam o factor da vitimização em proveito de dinâmicas sem relação à etnia Fula.

Surge assim Amadou Kouffa, carismático predicador Fula, respeitado por uma parte da população. Líder do movimento islamista radical Frente de Libertação do Macina, no Mali. Uma organização que integrou a esfera do tuaregue Iyad Ag Ghali líder do “Grupo de Apoio ao Islão e aos Muçulmanos”, uma federação de organizações terroristas do Sahel que surge da iniciativa da Ansar Dine e da Al-Qaeda no Magrebe Islâmico (AQMI), assim como outras organizações islamistas da região.

Numa mensagem áudio, difundida pela organização de Iyad Ag Ghali, Amadou Kouffa apelara directamente às populações Fulas a aderirem à jihad. Com este apelo Amadou Kouffa tentou canalizar a revolta Fula para as fileiras jihadistas, quando o mesmo predicador sempre defendera a prioridade do Islão em detrimento dos Fulas. O primeiro efeito da declaração de Amadou Kouffa, foi o reforço do estigma da hipotética emergência de uma “Jihad Fula” e do imaginário popular que defende que um Fula “é um terrorista”.

Distinta da Frente de Libertação do Macina, mas que serviu de base no Burkina Faso à organização de Amadou Kouffa, a Ansarul Islam criada por Ibrahim Malam Dicko (antigo combatente de Kouffa, morto em 2017 e substituído pelo seu irmão Jafar Dicko), orientou-se também no recrutamento de jihadistas nas comunidades Fulas. Porém, a cooperação entre Kouffa e Dicko não resistiu às visões diferentes dos dois líderes jihadistas Fulas, em que um priorizava o Islão e outro as comunidades Fulas. O fim definitivo da colaboração entre as duas organizações acontece após a morte de Ibrahim Malam Dicko, e quando Amadou Kouffa integra a esfera de Iyad Ag Ghali.

O Islão radical e aplicação da Charia são incompatíveis com as tradições que caracterizam os Fulas

Apesar da violência das acções das organizações jihadistas Fulas, e da mediatização das mesmas, cada uma destas organizações não consegue atrair mais de três centenas de elementos. O motivo deste “desinteresse” reside na visão de um Islão radical e da aplicação da Charia, incompatível com as tradições que caracterizam os Fulas, tal como o papel da mulher, principal pilar das sociedades Fulas.

Apesar da organizações jihadistas combativas não terem atraído significativamente as populações Fulas, as acções contra estas populações em distintos países africanos, levou à criação de múltiplas organizações armadas de autodefesa Fulas. Algumas sem estrutura, constituídas por aldeões rusticamente armados, à imagem de outras etnias na região.

Surgem também organizações suportadas por líderes políticos fulas na sombra, tais como no Mali com a Aliança de Salvação do Sahel (ASS) cujas relações e tolerância com a organização jihadista de Amadou Kouffa destacaram-se pela ambiguidade. A ASS acabou por perder folgo, entrar num processo de decomposição e a maioria dos seus combatentes integrar o programa DDR (Desarmamento, Desmobilização e Reintegração).

Por outro lado, a ineficácia defensiva destas organizações é demonstrada quando ocorrem acções contra povoações Fulas. Transformando estes grupos em organizações punitivas que propriamente defensivas.

A curta existência das organizações de autodefesa Fulas é explicada também pela instrumentalização das mesmas que acabam por tornarem-se apenas no trampolim político de algumas personalidades.

A República Centro-Africana (RCA) é também um exemplo da dissonância entre um Islão radical e a sociedade tradicional Fula. O radicalismo islâmico, que acabou por ser adoptado pelas milícias Seleka, nunca foi aceite de facto pelos combatentes Fulas destas milícias. A implosão dos Selekas originou aparecimento de um arquipélago de grupos armados Fulas, que auto qualificaram de organizações de “autodefesa”.

Estes grupos assumem-se como organizações maioritariamente muçulmanas mas prioritariamente Fulas. Porém, permanecem apenas como organizações territorialmente circunscritas e regionais, importando a mesma falta de solidariedade transnacional externa entre organizações Fulas, para o teatro centro-africano. Por esse motivo, distintos grupos armados Fulas integraram os acordos de Cartum e posteriormente Bangui, enquanto outros dissociaram-se da iniciativa. Uma estratégia comum Fula na RCA nunca existiu, apesar das numerosas tentativas.

A utopia da solidariedade transnacional Fula, a islamização de alguns grupos, as divisões plurinacionais e regionais, assim como a marginalização e segregação de populações Fula, tal como é patente na Mauritânia, Mali ou Burkina Faso, vulnerabiliza esta população que pode facilmente ser instrumentalizada e manipulada, segundo as realidade de cada país.

Da mesma maneira que os Fulas podem ser instrumentalizados por um líder político que pretende cativar votos étnicos, podem ser utilizados na criação de grupos armados, com a cobertura de organização de autodefesa, tornando-se em reais milícias de personalidades políticas, ou interesses estrangeiros. Tal é o exemplo da RCA em que empresas de segurança privada russas, com o aval de Moscovo, financiaram e rearmaram milícias com o objectivo de impor Moscovo como actor legítimo na resolução do imbróglio centro-africano. Mas estas milícias tornaram-se no prolongamento das mesmas empresas segurança nos terrenos em que a Rússia tem um interesse estratégico devido aos seus recursos naturais.

Outro exemplo foi com a tentativa de instrumentalização das populações Fulas na Guiné-Bissau durante as eleições legislativas de Março. Uma estratégia adoptada por alguns candidatos que não surtiu os efeitos pretendidos. A população Fula na Guiné-Bissau, maior etnia do país, é distinta das variadas populações Fulas em África.

Como ponto comum os Fulas da Guiné-Bissau partilham a mesma variante da língua “pulaar” tal como é adoptada na Guiné Conacri, Gâmbia, Senegal, Mali e Mauritânia. São maioritariamente muçulmanos e partilham apelidos comuns às populações Fulas. Em contrapartida os Fulas da Guiné-Bissau não são nómadas e não canalizam globalmente os seus votos nas eleições para um candidato específico que oriente a campanha para esta população, assim como não é estável na escolha dos seus candidatos.

À imagem do continente e no microcosmos Bissau-guineense, os Fulas também estão divididos entre aqueles que consideram-se autóctones, os Fulas de Gabu ou Fulacundas, e os Fulas oriundos da Guiné Conacri, designados como Fulafuta e Nanias, mas também do Senegal com os Foturanké ou Toranké.

A fim de acabar com o paradigma da dominância da etnia Balanta nas Forças Armadas, a sua fulanização é possível

Estas qualificações, em que uns Fulas são considerados autóctones e outros estrangeiros, abre uma brecha à instrumentalização e manipulação, seja esta de ordem religiosa, demonstrada pela penetração cada vez mais crescente de um Islão rigoroso inabitual na Guiné-Bissau; ou de ordem político-militar em que a confraria informal de influências, já referida, poderá influir na política externa guineense e abrir portas a ingerências externas. Mas também, a fim de acabar com o paradigma da dominância da etnia Balanta nas Forças Armadas, a sua fulanização é possível e enquadrada no mesmo esquema da vulnerabilidade de um exército organicamente fraco e composto por múltiplas milícias pessoais.

O problema é que o atual momento político da Guiné Bissau é propício para uma instrumentalização étnico religiosa que não deixará de apelar à identidade da etnia Fula, no contexto de uma mobilização enganosa de eleitores, a qual tem em vista a valorização de agendas pessoais de políticos que se reclamam dessa etnia, mas que num passado recente demonstraram que o bem estar dos Fulani não constitui a sua principal motivação.

De facto, o exemplo e estratégia russa na RCA poderão ser transpostos para outros teatros, tais como o Mali, Burkina Faso, Nigéria, Camarões e mesmo a Guiné Bissau. Ou seja, onde as populações Fulas sentem-se estigmatizadas, abandonadas pelo Estado e ou vítimas do alegado “genocídio étnico programado” e “limpeza étnica”. Consequentemente, estas populações estão mais receptivas à opção de autodefesa e consequentemente militarização ou vulneráveis a um alinhamento com políticos carismáticos que, em alturas de eleições, se apresentam como messias portadores de dinheiro e de promessas que nunca chegarão a ser concretizadas.

Também, o apelo lançado por Hamadou Kouffa em Dezembro de 2018 de uma insurreição Fula com o estandarte da Jihad, poderá não ter tido os resultados esperados pelo líder da Katiba Macina, mas, réplicas da mesma estratégia podem obter resultados prolíferos em contextos menos globais e apenas integrados a uma região ou país.

Assim, não será a temida “Jihad Fula” mas as “Jihads Fulas”, como prováveis. Mais vulneráveis e facilmente instrumentalizáveis por países ou organizações atentas às novas dinâmicas das nações Fulas, cada vez mais receptivas à opção insurreccional pela violência. Exemplo desta propensão aconteceu logo após o massacre em Ogossagou que levou muitos jovens Fulas a optarem por integrar organizações armadas regionais, maioritariamente jihadistas, como meio de defender as suas comunidades.

Nota de reacção da Associação dos Magistrados à situação da Maersk

INCÚRIA: Uma homenagem aos ilegais

FIFA KA STA NA NHEMER NHEMER

FIFA DÁ MURRO NA MESA

Informações seguras da FIFA sobre as eleições na Federação de Futebol da Guiné-Bissau dão conta de que invalidaram a eleição que elegeu o Bené, e não aceitam a recandidatura do Manelinho.

Ordenaram ainda a realização de novas eleições o mais tardar até 30 de Setembro. AAS

sexta-feira, 28 de agosto de 2020

OPINIÃO: Guiné-Bissau, uma nação à deriva

FONTE: OBSERVADOR


JOÃO HENRIQUES é Investigador Integrado do Observatório de Relações Exteriores (OBSERVARE)/Universidade Autónoma de Lisboa

Quatro décadas após a independência, a sociedade guineense continua a ser atormentada por permanentes e graves convulsões políticas e militares, golpes de Estado recorrentes e pela corrupção.

Ao longo de mais de cinco séculos, o território da Guiné-Bissau, anteriormente reconhecido como Guiné Portuguesa, foi reivindicado por Portugal como parte integrante do chamado Império Português até à data da sua independência, alcançada em 1974. Esta seguiu-se a uma guerra que teve início em Janeiro de 1963, na cidade de Tite, com uma acção de guerrilha materializada pelo PAIGC (Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde), movimento que esteve na vanguarda da luta pela independência do território.

Apesar de ter sido proclamada em Setembro de 1973, a independência da nova república só viria a obter o reconhecimento por parte de Portugal em Setembro do ano seguinte, já em período pós-25 de Abril. Esta guerra custaria a Portugal a morte de mais de dois mil militares e cerca de outros quatro mil ficariam afectados permanentemente sob o ponto de vista físico e psicológico.

Mais de quatro décadas após a independência, a recente história da Guiné-Bissau tem sido marcada por permanentes e graves convulsões políticas e militares, resultando em recorrentes golpes de Estado e consequentes mudanças de governo.

A corrupção é uma das dominantes em todo este arrastado processo, severamente agravado pelo facto de narcotraficantes de alguns países da América Latina estarem, ao longo dos últimos anos, a utilizar o território guineense como uma das plataformas da África Ocidental para a entrada de cocaína na Europa.

Certo é, que outrora a Guiné-Bissau, era apontada como um verdadeiro modelo no domínio do desenvolvimento africano, surge agora como um dos países mais pobres do mundo, com uma elevada dívida externa, levando o país a depender profundamente da ajuda externa.

Segundo os números das Nações Unidas, a Guiné-Bissau conta, actualmente, com uma população de 2.082.183 habitantes. No domínio da religião, 44,9 por cento da população aderiu às chamadas religiões étnicas (animistas), 41,9 por cento é muçulmana (sunitas) e 11,9 por cento professa o cristianismo.

A economia

Sob o ponto de vista económico, a Guiné-Bissau, que conheceu uma importante desaceleração em 2018, tendo mesmo caído, segundo estimativas, para 3,8 por cento, é altamente dependente da agricultura de subsistência, com destaque para a castanha de caju, principal produto de exportação, e de cuja comercialização depende a subsistência de mais de 80 por cento da população.

Produção essa, muitas vezes posta em causa devido às condições climáticas adversas que se abatem sobre o território. Outros recursos são, igualmente, determinantes, como a pesca e a extracção da madeira, esta última considerada ilegal pelas autoridades, mas que conta, todavia, com o envolvimento marginal de algumas figuras civis e militares.

Também a fraca situação fiscal tem contribuído para o empobrecimento das receitas postas à disposição dos sucessivos governos, aumentando sucessivamente o défice orçamental, onde as despesas governamentais têm aumentado progressivamente, ano após ano.

A inflação disparou devido, sobretudo, ao incremento de bens importados e da procura interna e todos estes factores, associados a sucessivas governações de índole duvidosa, acabaram por fazer de parte da classe política dominante um forte aliado do narcotráfico internacional.

Ainda no plano da economia, é, no entanto, reconhecido o elevado potencial que o território oferece no domínio dos recursos naturais. Destaca-se um projecto de exploração offshore de hidrocarbonetos (petróleo e gás), anunciado em 2019, numa zona conjunta da Guiné-Bissau e do Senegal, para o qual a empresa canadiana OP AGC – uma das duas (a par da China National Offshore Oil Corporation) que detêm as licenças de prospecção na Zona de Exploração Conjunta (ZEC), constituída em 1993 – já anunciou a intenção de avançar durante 2020.

Falta ainda, no entanto, avaliar o impacto ambiental que a exploração de petróleo e gás representará para a vida das populações, estando já acordado que as futuras receitas serão divididas entre o Senegal (85 por cento) e a Guiné-Bissau (15 por cento)1.

O contexto político

Algum tempo após a independência, o quadro governativo da Guiné-Bissau ficou marcado por profundas e repetidas crises políticas e institucionais, o que levou o país a ser considerado um dos mais vulneráveis politicamente, a nível mundial, expondo-o a recorrentes golpes militares e mudanças frequentes de governo.

Logo em 1980, o primeiro presidente do país, Luís Cabral, é deposto na sequência de um golpe militar liderado por João Bernardo Vieira (“Nino” Vieira), que sempre se opôs a uma comunhão com Cabo Verde, mas cuja actuação foi caracterizada, sobretudo, pelo desejo de eliminação de todos os seus rivais políticos e de todos os sinais de oposição à sua política.

Este primeiro golpe acabaria por assinalar o ponto de partida para a instabilidade política que tem permanecido até aos nossos dias. Isto, apesar do envolvimento da Comunidade Internacional e das suas instituições no sentido de promoverem a ajuda económica, militar e política, a par de uma definição do modelo de combate à influência dos cartéis de drogas latino-americanos – desde há muito, que estes utilizam o território guineense como plataforma para envio de estupefacientes para a Europa – de modo a, finalmente, se pôr termo à já prolongada instabilidade política e social que o país tem vivido. Nos domínios do narcotráfico, é por todos sabido o valioso instrumento que os traficantes têm à sua disposição: a corrupção.

Vem a este propósito, lembrar a tristemente célebre figura de Bubo Na Tchuto, ex-almirante e antigo Chefe do Estado-Maior da Marinha da Guiné-Bissau, entre 2003 e 2008, que esteve envolvido em várias tentativas, todas elas fracassadas, de assalto ao poder.

Considerado internacionalmente como um poderoso narcotraficante, Bubo Na Tchuto acabaria por ser capturado na costa ocidental de África, em 2013, numa operação policial. Desde há muito referenciado pela justiça norte-americana e com mandado de captura internacional, acabaria por ser condenado nos Estados Unidos a uma pena de prisão efectiva de apenas quatro anos, dos quais cumpriria três anos e meio, com base num acordo de cooperação com as autoridades judiciais norte-americanas.

As primeiras eleições multipartidárias, tanto para o Parlamento, como para a Presidência da República, tiveram lugar somente em 1994. Após um novo golpe militar, em 1998, o país entrou num período de confrontações internas, num cenário já bem próximo de uma guerra civil, justificando a mediação da CEDEAO (Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental), da qual resultou o Acordo de Conacri, com o objectivo de alcançar o consenso entre todas as partes envolvidas no conflito.

As presidenciais de 2019

Finalmente, a 18 de Junho de 2019, o então Presidente da Guiné-Bissau, José Mário Vaz, através de decreto, marca as eleições presidenciais para 24 de Novembro de 2019.

Desse processo, sai vencedor o candidato Umaro Sissoco Embaló, que a 29 de Fevereiro de 2020, numa das suas primeiras tarefas, nomeia Nuno Gomes Nabiam para o lugar de Primeiro-Ministro – e apesar do reconhecimento da vitória de Embaló pela CEDEAO, após um longo período de incerteza.

Após o anúncio, os resultados eleitorais foram de imediato contestados pelas candidaturas rivais, o que provocou um ambiente de enorme convulsão, tendo levado o Secretário-Geral das Nações Unidas, António Guterres, a emitir um comunicado, afirmando “estar a acompanhar com particular preocupação a crise institucional” resultante da disputa eleitoral, remetendo a decisão final para os “órgãos competentes”.

Deste modo, e como esperado, a CEDEAO, “face ao actual bloqueio e após uma análise profunda à situação política do país”, decide, a 22 de Abril de 2020, reconhecer a vitória de Umaro Sissoco Embaló, na segunda volta das eleições presidenciais da Guiné-Bissau realizada a 29 de Dezembro de 2019.

Nesse comunicado, apela, ainda, a uma “resolução da crise com base na lei e na Constituição do país”3. A investidura de Embaló viria a realizar-se no dia 27 de Fevereiro de 2020, data considerada pelo próprio como “simbólica”.

É, pois, neste contexto, que diversas fontes próximas do processo destacam a “normalização institucional” com reflexos considerados positivos no relacionamento com a CEDEAO, tendo o seu presidente reiterado o carácter “transparente e credível” destas eleições.

Com recurso às redes sociais, a reacção do candidato do PAIGC, Domingos Simões Pereira, não se fez esperar, tendo, através de uma publicação no Twitter, declarado que “o povo guineense assiste impotente à violência do Presidente [Umaro Sissoco Embaló] e do Governo golpista de Nuno Nabiam”, acusando-os de estarem ligados ao narcotráfico.

Entretanto, várias organizações da sociedade civil guineense viriam a denunciar, numa Carta Aberta dirigida aos órgãos de soberania, que a Guiné-Bissau está em risco de perder algumas das conquistas alcançadas em mais de duas décadas de democracia, devido a graves ameaças à liberdade de expressão e à liberdade de imprensa.

Considerações finais

É longa a história da Guiné-Bissau em matéria de conflitos. O país está marcado por rivalidades e conflitos tribais e étnicos.

Hoje, quatro décadas após a independência, a sociedade guineense continua a ser atormentada por permanentes e graves convulsões políticas e militares, golpes de Estado recorrentes, que se traduzem em constantes mudanças na liderança do país.

A corrupção é uma das dominantes em todo este arrastado processo, severamente agravado pelo facto de os narcotraficantes de alguns países da América Latina estarem, ao longo dos últimos anos, a utilizar o território como uma das plataformas, estrategicamente situadas na África Ocidental, para a entrada, sobretudo de cocaína, no continente europeu.

Onde, desde sempre, contaram com a preciosa ajuda de alguns funcionários do Estado guineense, facilmente seduzidos pelas contrapartidas que eram postas à sua disposição.

A conjugação de todos estes factores empurrou o país para uma instabilidade política e social, sem fim à vista, com dramáticas consequências para a economia, com elevados níveis de desemprego e uma pobreza generalizada.

Previsivelmente, a estabilidade política continuará comprometida no decurso 2020, com reflexos no crescimento do PIB e agravado, agora, pela disseminação global do Covid-19.

A dívida externa da Guiné-Bissau é enorme, fazendo o país depender fortemente dos seus principais parceiros para o desenvolvimento, como são os casos da União Europeia, da CEDEAO, da União Económica Monetária da África Ocidental (UEMOA), do Banco de Desenvolvimento da África Ocidental (BOAD), do Banco Africano de Desenvolvimento (BAD), das Nações Unidas, do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional.

A exemplo de outros casos, caberá, uma vez mais, à Comunidade Internacional e às suas principais instituições, um genuíno contributo para o progresso e o bem-estar de mais uma nação desde há muito castigada – a Guiné-Bissau e o seu povo.

quinta-feira, 27 de agosto de 2020

Guiné-Bissau está preparada para ensinar árabe nas escolas?

FONTE: DEUTSCHE WELLE

Sociedade guineense e professores reagem negativamente à decisão. Cidadãos questionam se país está preparado para implementar a medida. Mas Executivo promete avançar e diz que tudo foi feito com base nas leis.
Está instalada a polémica na Guiné-Bissau, depois de o Governo ter decidido introduzir o ensino da língua árabe nas escolas do país. Os argumentos usados para justificar a decisão geraram um coro de críticas contra o ministro da Educação, Arceni Baldé.

Num vídeo posto a circular nas redes sociais, o titular da pasta da Educação, ao justificar a iniciativa, afirmou que um dos objetivos da implementação do ensino da língua árabe nas escolas guineenses coincide com o seu desejo de "colocar os alunos muçulmanos ao mesmo nível dos alunos das outras confissões religiosas."

O Movimento dos Cidadãos Conscientes e Inconformados (MCCI), na voz do seu presidente, vê nas palavras no ministro indícios de discriminação.

Para Sana Canté, é preciso "condenar e denunciar a instrumentalização das instituições do Estado para fomentar o tribalismo e a discriminação religiosa, em particular, a tentativa de forçar a implementação do ensino árabe no sistema educativo, de forma abusiva e ilegal, no mero ato de adotar a religião muçulmana de poderes de domínio contra outras confissões religiosas."

Perante a contestação da sociedade, o Ministério da Educação reagiu, em nota lida pelo seu porta-voz, Amadu Uri Djaló: "A introdução da língua árabe no sistema de ensino guineense não foi uma decisão exclusiva e unilateral do ministro da Educação Nacional e Ensino Superior, doutor Arceni Abdulai Jibrilo Baldé. Foi, sim, uma decisão do Governo da República da Guiné-Bissau, chefiado pelo engenheiro Nuno Gomes Nabiam, que não é muçulmano, e os 22 membros dos seus membros não são [muçulmanos]".

Estará o país preparado?

Os trabalhos já estão em curso para a implementação da língua árabe nas escolas. O centro de formação de professores "Tchico Té", em Bissau, abriu as inscrições para um curso de bacharelato na língua. No entanto, oficialmente, ainda não há explicações sobre de onde virão os professores de árabe ou como serão selecionados.

À DW África, Miguel Gama, professor de língua portuguesa no "Tchico Té", levanta várias questões: "Que trabalhos foram feitos para chegar a essa conclusão de que é preciso, realmente, introduzir essa língua [árabe]? Vi também que vai começar a formação de professores, ainda neste ano letivo, em língua árabe. As escolas de formação de professores estão preparadas para isso? Os conselhos pedagógicos dessas escolas fizeram trabalho de base? O que terá dito o INDE [Instituto de Desenvolvimento da Educação] à volta disso? Teve a sua opinião ou estamos perante uma decisão política?"

Miguel Gama não acredita que essas "instituições académicas tenham dito algo sobre a questão".

Medida impopular

Nas ruas, vários cidadãos ouvidos pela DW África mostraram-se contra a decisão governamental.

"Acho que é muito cedo para fazer isso. Mesmo que o Ministério [da Educação] tenha essa intenção, há que haver preparação para tal, já que o ensino é um processo", disse o cidadão Sabino Mendes.

A cidadã Juaira Pereira estranha a decisão do Governo: "A língua árabe é muito distante para nós, é uma coisa nova para nós. Eu estudava a língua e sei que é muito difícil", afirma.

Francelino na Fia, outro entrevistado pela DW África, também discorda do Governo. "A introdução da língua árabe? Eu não sei como vai ser administrada, mas considero que é uma decisão um pouco precipitada, devia ser com uma preparação prévia", pondera.

Mas, como sublinha o porta-voz do Ministério da Educação, Amadu Uri Djaló, a decisão é para cumprir e é legal: "Esta medida consta do programa do Governo, que foi adotado pelo Conselho de Ministros e submetido e aprovado na Assembleia Nacional Popular (ANP), órgão legislativo máximo da República e fiscalizador de ação governativa", pontua.

PAIGC - COMUNICADO DE IMPRENSA

Miguel de Barros: “Vivo num país que não suporta imposição em nome da “libertação” da opressão”

FONTE: BANTUMEN

O sociólogo e activista esteve à conversa com a BANTUMEN numa entrevista sobre a situação atual e os desafios colocado ao continente africano no geral, e à Guiné-Bissau em particular.

Por Marisa Rodrigues

Miguel de Barros é um Sociólogo e ativista guineense, especializado em Planeamento pelo ISCTE (Portugal). É igualmente Co-fundador do Centro de Estudos Sociais Amilcar Cabral – CESAC (Guiné-Bissau), Investigador no Centro de Estudos Internacionais do Instituto Universitário de Lisboa – CEI/IUL-ISCTE (Portugal); Investigador no Centro de Estudios Internacionales Epistemología de Frontera y Economía Psicopolítica de la Cultura, Universidad de La Frontera (Chile) e Pesquisador no Núcleo de Estudos Transdisciplinares de Comunicação e Consciência da Universidade Federal do Rio de Janeiro – NETCCON/URFJ (Brasil) e membro do Conselho para o Desenvolvimento de Pesquisa em Ciências Sociais em África – CODESRIA (SENEGAL) e do Concelho Estratégico da Rede Internacional das Periferias – RIP (BRASIL).

Desde 2012, desempenha funções de Diretor Executivo da ONG Tiniguena, dedicada à preservação do meio ambiente na Guiné-Bissau (Prémio Equador da ONU 2019). Foi eleito pela Confederação da Juventude da África Ocidental (CWAY) a personalidade mais influente do ano de 2019 e, em 2018, recebeu o prémio humanitário Pan-Africano de Excelência em Pesquisa e Impacto Social (PALEDEC).

A BANTUMEN conversou, via email, com o Sociólogo numa entrevista onde são abordados os desafios colocados ao continente africano, a situação da Guiné-Bissau e a forma como os jovens podem contribuir para o desenvolvimento do continente.

Miguel, nasceste em Bissau em 1980. De lá para cá, quais consideras serem as maiores alterações políticas e democráticas no país?
MdB: Vivo num país que não suporta imposição em nome da “libertação” da opressão, mas que esconde a exploração. A Guiné-Bissau que conheço é um caldeirão que já experimentou quase tudo: impérios, escravagismo, colonização, luta de libertação, golpes, guerra civil, epidemias, democracia (disfarçada), tutelas e foi palco de disputas internacionais há séculos. Mas é um país maravilhoso que tive a sorte de conhecer e de me encantar com ele, do norte ao sul, ainda na adolescência. É um dos países que em termos naturais e culturais é dos mais fascinantes, com um património verdadeiramente excepcional, que acolhe variedades de povos, tradições e também espécies raras e emblemáticas da fauna e flora selvagem, com recursos marinhos e florestais importantes para o equilíbrio ecológico e segurança alimentar, contribuindo deste modo para que o país se posicione no topo de sítios mais importantes da concentração da biodiversidade na África ocidental.

Um contexto em transformação, eu sempre vivi em transformações. Nasci no ano do primeiro golpe de estado militar onde as legitimidades indentitárias e ideológicas do processo de libertação estavam (e ainda estão) em confronto, o que tem marcado a disputa pelo poder político e tem condicionado o nosso desenvolvimento aliado aos interesses geoestratégicos regionais e mundiais da ordem económica e de segurança internacional. Neste sentido, a transição da independência para o regime de partido único trouxe a ditadura, o que constituiu uma premissa para o controlo do poder político, que, ao não ser capaz de jogar o papel de provedor de recursos de bem-estar, de segurança ancorado em alianças (internas e externas), foi-se desmoronando ao longo dos tempos, perdendo o controlo da capacidade de gerir instituições e atores decisivos para a sua coerência enquanto Estado.

Deste modo, embora o processo que levou à independência seja considerado como uma conquista nacional que todos se orgulham e exaltam a sua heroicidade – afinal o regime fascista português foi derrotado em África e na Guiné-Bissau -, porém, o processo da condução do novo Estado independente iria ser marcado por várias transformações. Conflitos que começaram no próprio processo da luta de libertação nacional que levaram ao assassinato, em 1973, do pai das independências da Guiné-Bissau e de Cabo Verde, Amílcar Cabral, passando pela falência do modelo de Estado monolítico à implementação do modelo neoliberal da economia a partir der 1984 e da política em 1991, resultando na adesão ao mercado comum monetário da África Ocidental (1997), à guerra civil (1998) e desembocando, até a atualidade, numa dupla tutela internacional das Nações Unidas e da CEDEAO.

“Os PALOP foi uma ‘comunidade imaginada’ sob a batuta do regime fascista português“
Importa reconhecer que o território da Guiné era uma colónia de exploração, na qual foi aplicada a Lei do Indigenato que classificava as pessoas em categorias hierárquicas e limitava os direitos de cidadania e qualquer processo de transição de classe significava uma traumática alienação de identidades socioculturais para poder beneficiar do estatuto de “assimilado” e depois de “civilizado”. A intensificação do processo de mobilização da resistência anticolonial desencadeou uma forte investida da então potência colonizadora, tendo levado a administração local a fazer investimentos na construção das primeiras escolas neste território, sendo que o primeiro liceu data de 1958, cinco anos antes do início da luta armada (23/01/1963). Durante a vigência da administração colonial, este território esteve, até 1879 do Séc. XIX, sob a tutela da administração de Cabo Verde e com a luta de libertação nacional, o território guineense foi alvo da maior mobilização da milícia africana para os esforços da guerra colonial – comandos africanos.

Com a independência, proclamada unilateralmente em 1973 e reconhecida pela ONU e, só depois de um ano, pela então potência colonizadora, o novo Estado tinha apenas 14 pessoas com ensino superior. O desafio era montar uma administração, criar infraestruturas e um sistema produtivo, educar a população e prover os serviços essenciais. No entanto, os primeiros dez anos (1974-84), com aplicação de um modelo de planificação da economia estatizada, geraram resultados que permitiram alargar a rede de serviços administrativos e sociais, com um ambicioso programa educativo com componentes produtivas, ideologicamente estruturante permitindo o resgate da história, a apropriação cultural e a aprendizagem das questões ligadas à cidadania. Porém, a independência não significou a liberdade. O país transitou de regime de polícia política para regime de polícia-militar, ambos marcados por perseguições, prisões arbitrárias e assassinatos dos que eram considerados adversários e críticos do regime.

O Estado foi obrigado a liberalizar a economia, devido à falência, tanto do regime político cada vez mais contestado como da sua ineficácia na mobilização da capacidade financeira perante a crise económica, com a inflação a níveis insustentáveis perante o colapso internacional do sistema comunista, maior aliado do país. Nesta base, o governo embarcou na última vaga do Programa de Ajustamento Estrutural sob a batuta do FMI e do Banco Mundial, começando por abrir o mercado e o comércio aos privados, mas sem que no entanto houvesse vontade para o efeito e nem produção de capacidades ao nível do pensamento e atores com conhecimento e possibilidades de gerar impactos positivos para o país. A liberalização não só acabou por matar o sistema de produção diversificada do país, mas também centralizou e reduziu o Estado ao mínimo (incluindo o sistema educativo, de saúde e agrícola), bem como ficou marcado por uma política de privatização selvática que desembocou na institucionalização da corrupção. O país perdeu o ativo produtivo, passando a ser um país onde a monocultura de caju é o elemento estruturante da economia que permite agilizar os esforços de mobilização da divisa para o pagamento dos serviços da dívida. A liberação económica não gerou potência, mas sim tornou-se numa caução cujo preço foi colocar o país numa estrada de dependência: produção e exportação de castanha de caju bruta para o sudoeste asiático e importação de tudo, incluindo arroz, a base principal da alimentação.

No entanto, a minha geração começou efetivamente a entrar em contato com as transformações no país, sobretudo durante e após a abertura política e democrática com a realização das primeiras eleições em 1994. Esse processo tinha sido marcado por uma grave crise no setor educativo que levou a manifestações de alunos do secundário que reivindicavam o direito à educação para todos e de qualidade, num contexto de greve de professores perante a emergência de organizações partidárias, mas também das primeiras organizações da sociedade civil e sindicatos independentes. Todo esse processo criou uma insegurança ao regime levando-o a preocupar-se mais com a validação do voto do eleitor do que com a compreensão do sentido do voto. Deste processo, compreendi que as eleições em contexto de privação económica e ditadura não conseguem ser instrumentos de mudanças políticas eficazes e efetivas, na medida que não geram nem apaziguamento social, nem mobilizam as pessoas para os desígnios coletivos e nem contribuem para a regeneração da sociedade.

No entanto, desde a realização das primeiras eleições multipartidárias as tensões aumentaram, a competição se agudizou e a luta pelo controlo do Estado tornou-se e é assumida como luta pelo controlo dos recursos de sobrevivência. Com a crescente desvalorização da moeda nacional e a incapacidade de controlar a inflação, bem como atrair empréstimos internacionais, o país aderiu a União Económica e Monetária do Oeste Africano (UEMOA) da África Ocidental, tendo adotado o franco CFA como moeda. Se na verdade a integração económica e monetária regional tinha a vantagem, em termos de estabilidade monetária, de agilizar o controlo do déficit e permitir o crescimento financeiro e uma maior participação na economia global, por outro lado, os operadores económicos não estavam preparados para a competitividade da integração e nem a população tinha cultura financeira ao ponto de compreender a desvalorização das suas poupanças face aos níveis exigidos pela disciplina financeira da comunidade, gerando falências de instituições e de famílias, criando um amplo movimento de novos imigrantes do campo para cidade, que colocaram as preocupações com a violência e delinquência na agenda pública.

Ou seja, crescemos vivendo as rápidas transformações sem dar-nos conta que estávamos também a ser obrigados a crescer demasiadamente cedo e com responsabilidades públicas. Com a crise do Estado – a ser sentida sobretudo na desestatização da responsabilidade de proteger, educar as crianças, fornecer oportunidades lúdico-pedagógicas aos adolescentes e possibilidades de formação e emprego aos jovens – a minha geração foi obrigada a constituir os seus espaços alternativos de integração social e cultural, que mesmo atravessados por uma guerra civil, que durou 11 meses, conseguem produzir e gerar estratégias integradoras e não violentas capazes de permitir a mobilidade social ascendente mesmo quando o poder político torna-se supérfluo e descartável, já que a grande maioria das pessoas não sentem e nem reconhecem a ação do Estado como estruturante nas suas vidas. Assim se fundou o movimento associativo juvenil guineense, enquanto uma realidade produzida a partir da ausência do Estado para gerar utopias de uma cidadania servidora através do voluntariado.

Deste modo, cresceu uma geração de resilientes, crentes na democracia, na solidariedade e justiça. Confrontam o desejo de vida com uma realidade indesejada, mas firmados num projeto de construção social de alternativas, com consciência que mobilizam a sua autoestima mesmo perante o descalabro político, valorizando os seus patrimónios ambiental, cultural e histórico, ensaiando formas de organização mais democráticas e performativas, geradoras de novos contratos sociais e económicos. Posso dizer que as mudanças que ocorreram no país, fez da minha geração agentes que redesenham e constroem diariamente o novo mapa mental, indentitário e produtivo das identidades transformadoras de um país potente mas frágil, com um passado glorioso, um presente complexo e fraturante, mas confiantes na nossa capacidade de transformar o sofrimento em aprendizagens que nos transportam para a produção de um sentido patriótico capaz de gerar as mudanças desejadas.

Vamos olhar agora para um contexto mais amplo. Consideras que, nos PALOP, ainda existe alguma relação com o passado colonial? Se sim, de que forma isso se reflete atualmente?

MdB: Os PALOP foi uma “comunidade imaginada” baseada na afirmação da soberania política e da autodeterminação dos povos de sociedades com uma história comum de exploração e violência colonial sob a batuta do regime fascista português. Fundou-se sob o princípio da solidariedade política e económica na promoção de intercâmbios culturais entre os povos e partilha de visões sobre questões internacionais consideradas geoestratégicas, como por exemplo: a luta contra o apartheid na África do Sul marcada por uma ação diplomática intensa em prol da libertação de Nélson Mandela; o apoio ao processo da resistência Maubere (1975-1999) criando uma linha de retaguarda em África, permitindo aos líderes da FRETLIN deter passaportes diplomáticos dos estados-membros dos PALOP e residirem em países como Angola, Moçambique e Guiné-Bissau; a adoção de posições conjuntas na Organização da Unidade Africana – OUA (agora UA) e na ONU – para a defesa da independência da república do Sahara, da Palestina e fim do embargo a Cuba.

Esta comunidade promovia cimeiras anuais entre os chefes de Estado e de governo nos respetivos países, de forma rotativa, que se tornaram momentos de maior afirmação de um projeto internacional africano contra-colonial, sendo o único espaço do género de articulação entre as lideranças políticas das sociedades sofridas, a partir do continente sem tomar como principal fator de união o elemento de proximidade geográfico e nem também integrar os países que colonizaram. Promoveram-se ainda outros elos de ligação através da cultura, tendo sido criada em São Tomé e Príncipe, em 1987, a Liga dos escritores dos cinco (Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe).

No entanto, embora houvesse um espírito contra-colonial nestas sociedades, não se vislumbrou uma projeção da relação com esse passado capaz de abarcar um projeto de sociedade mais amplo e que não se resumisse apenas na relação entre os governos. Para além do pós-independência não ter implicado a liberdade política, o processo de educação histórica e cultural nas nossas sociedades ficou obsoleto, esvaziado de conteúdo ideológico emancipatório. Deste modo ficaram desativados o pensamento crítico de soberania política, económica e cultural sobretudo na segunda metade dos anos 1980, à conta do Programa de Ajustamento Estrutural, sob liderança de Banco Mundial e FMI, num contexto de falência do sistema económico-financeiro, do modelo do Partido Único. A consequente queda dos regimes monolíticos esvaziou o dinamismo patriótico desses espaços dando lugar a um rompimento de vínculos – cada qual por si – e nessa fase países como Angola e Moçambique que mais alimentavam essa agenda estavam mergulhados na guerra civil, outros que defendiam essa agenda (Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe) encontravam-se a braços com instabilidades políticas, enquanto Cabo Verde optava pela vinculação ao espaço de “afinidade atlântica” com maior proximidade à UE e EUA, o que contribuiu para desfalecimento dos vínculos.

As dinâmicas de resgate popular através da música RAP

Outros aspetos importantes para a fragmentação e fragilização dos PALOP tem a ver com os países onde houve uma alternância democrática (como são os casos de Cabo Verde e de São Tomé e Príncipe) onde alguma elite, que se revia na autonomia administrativa colonial (e não na independência), após terem chegado ao poder, decidiram apostar em “comunidades alternativas”, quer pela estratégia de mobilização de vantagens comparativas, através da possibilidade de atração de capital financeiro externo, mas sobretudo enquanto uma estratégia para o desmantelamento da memória comum dos movimentos independentistas que tinham gerido os países baseados na repressão e em alguns casos em ditadura. Foi como resultado desse processo que se favoreceu a aposta na integração nas comunidades regionais territoriais e geoestratégicas.

Entretanto, se é verdade que com a criação da Comunidade dos Países da Língua Oficial Portuguesa – CPLP, gerou-se uma oportunidade de retorno a um espaço de afinidades históricas e culturais, nunca se conseguiu resgatar (e nem poderia, devido ao passado colonial de Portugal e à marca do Brasil enquanto sociedade escravocrata) as bases dos PALOP. Perderam-se vários ativos como por exemplo o direito de mobilidade e de entrada dos nacionais desses cinco países nos estados-membros, bem como todo intercâmbio cultural e artístico que se promoveu sobretudo no campo da literatura e das músicas populares, sendo as bandas músicais como Sangazuza/África Negra (STP), Super Mamadjombo (GB), os Tubarões/Buli Mundo (CV), Grupo Rádio Moçambique (Mz) e Kiezos/Jovens do Prenda (An) exemplos dessa construção social. Hoje, há um enorme desconhecimento dessa realidade histórica comum, em consequência da falta de um projeto de “comunidade de desenvolvimento”.

Contudo, há dinâmicas interessantes de resgate popular das novas gerações e que projetam identidades baseadas em pesquisa e reconstrução de mecanismos de identificação com processos revolucionários dessa fase histórica de luta pelas independências, convocando os momentos simbólicos, os protagonistas e as suas causas num intenso diálogo com os contextos nos quais estão inseridos. Podemos encontrar esses elementos sobretudo na cultura, através da música RAP, na produção artística e cinematográfica quer no interior da periferia desses países, como também das suas diásporas no Mundo.

Olhando o contexto atual da África Ocidental, quais são os fatores que consideras colocarem em causa o desenvolvimento socioeconómico dos países? Ao nível dos recursos que o continente dispõe, que trabalho pode ser feito no sentido de os otimizar?
MdB: O efeito imediato das medidas tomadas pelos Estados africanos para o combate à COVID-19 demonstrou quão o modelo económico que os governos africanos estão a implementar não respondem às necessidades e aos desafios dos seus povos mas sim servem de motor ao modelo económico neocolonial de promoção da dependência do continente, quando o que era preciso era potenciar a transformação da economia. Na África ocidental, o dinamismo da economia gira em torno de seis eixos estruturantes, dos quais dois apenas dependem do mercado interno (negócios e serviços informais) sendo que os restantes cinco estão mais conectados com o exterior (exportação da matéria prima, importação de bens alimentares, turismo, remessa dos migrantes, ajuda pública ao desenvolvimento).

As projeções feitas pelas agências financeiras demonstram que o impacto da COVID-19 na economia vai fazer regredir o nosso crescimento global em menos de 6% do PIB, constituindo o pior resultado já registado nos últimos 30 anos. Isso é um problema para uma das regiões mais dinâmicas em termos de crescimento mundial, o que não só demonstra a nossa vulnerabilidade, pelo facto de não diversificarmos nem orientarmos a nossa base produtiva para a transformação, criando empregos e serviços locais e encaminhando-a para mercados regionais no continente.

A título ilustrativo, alguns casos são altamente preocupantes: a Nigéria, que é o motor da economia regional já que o seu peso representa dois terços do PIB total da CEDEAO (77% das exportações e 41% das importações), é altamente dependente da exportação do petróleo. O fecho das fronteiras e a paragem das exportações provocou uma queda acentuada nas receitas do petróleo, o que teve como efeito um maior déficit em conta corrente este ano, com as reservas oficiais a diminuírem consideravelmente, prejudicando os consumidores com o aumento da taxa de IVA de 5% para 7,5% e um aumento nos preços da eletricidade desde abril deste ano, no meio de um desemprego galopante; o grupo de países dependentes do turismo e do envio da remessa dos migrantes (Cabo Verde, Gâmbia) deverão passar por um período de forte contrariedade com as economias em deterioração, algo que afetará o apoio à subsistência de várias famílias; para países como o Senegal, com os crescimentos mais estáveis e altos da região (6% PIB), a combinação entre a falta de exportação da matéria prima, a impossibilidade de importação e a redução na ajuda pública ao desenvolvimento irão levar ao sobre-endividamento para financiar projetos de desenvolvimento, quando são baixas as garantias de um encaixe financeiro a médio prazo com impacto na economia atendendo a baixa dos preços dos hidrocarbonetos e aumento da inflação, o que levará a um record do aumento da dívida pública em mais 60% do PIB.

“O meu país, com sete meses de chuva, terra agricultável, mão de obra juvenil disponível, importa por ano do sudoeste asiático mais de 90% de arroz, a sua base de alimentação”
Um outro ponto extremamente crítico que limita o desenvolvimento económico do continente e consequentemente evidencia o enfraquecimento das possibilidades de mobilização de capacidades para a geração de emprego, a circulação de capitais e serviços condicionando assim o protagonismo da liderança na transformação da sub-região – são as importações. Há uma enorme dependência da China e da Europa que ultrapassam a média de 20% do PIB. Com o fecho das fronteiras, os países ficaram mais expostos, particularmente na importação de alimentos, tornando-se vulneráveis a riscos sistémicos, como as oscilações de preços nos mercados internacionais, algo que afetou o comércio e a segurança alimentar. Segundo os dados do FMI, a cada ano, o sistema de transporte mundial movimenta milho, trigo, arroz e soja em quantidades suficientes para alimentar 2,8 bilhões de pessoas, dos quais a África Subsaariana, só em 2018, absorveu mais de 40 milhões de toneladas de cereais de todo o mundo. Um dos casos paradigmáticos é o meu país, com sete meses de chuva, terra agricultável, mão de obra juvenil disponível, mas que importa por ano do sudoeste asiático mais de 90% de arroz, a sua base de alimentação.

Estes elementos todos que enumerei são provas que devemos reconceptualizar as nossas políticas de investimento público no continente e na sub-região, criando estratégias mais robustas com metas objetivas que visem o impacto na melhoria das condições de produção e no acesso aos bens e serviços permitindo que seja feita a partir da economia e não da Ajuda Pública, algo que contribuirá para a superação da narrativa da pobreza. A Covid-19 veio demonstrar-nos que é necessário acelerar essas transformações integrando a dimensão social da economia da vida enquanto condição estruturante para o bem-estar.

O que achas que podemos esperar dos países da África Ocidental nos próximos dez anos?
MdB: Temos agora, até 2030, uma oportunidade para potenciar o que já existe em termos de livre circulação de pessoas, bens e serviços e capitais, uma moeda comum, cada vez mais soberana, com a substituição do CFA para ECO em curso e a harmonização do quadro jurídico para os negócios. A isso devemos associar o aumento do investimento na transformação industrial local, de forma estruturada entre os países para a optimização de fileiras produtivas e comerciais. Para o efeito, a melhoria da infraestruturação – nas regiões com os espaços produtivos superando as rotas coloniais, otimizando a troca local, nacional e regional – serão decisivas. Um dos maiores defensores dessa visão é o sociólogo e economista guineense Carlos Lopes, que demonstra que a ausência de uma união monetária ao nível continental tem tido impactos especialmente no comércio e no investimento intra-regional, que gira em torno de 18% em média, contra 21% para a América Latina e Caraíbas, 50% para a Ásia e 70% para a Europa.

“O futuro tem que passar pela busca da soberania política, económica, produtiva, energética, alimentar, cultural e intelectual”

Há que reformar e requalificar as instituições públicas no sentido democrático, combatendo a corrupção e adoptando um quadro fiscal mais atraente para as pequenas e médias empresas, promovendo deste modo a economia inclusiva e empregos sustentáveis, incluindo a proteção social e a criação de sistemas de financiamento para as mulheres inseridas na economia informal. Para viabilizar estas ideias, serão necessárias lideranças visionárias com alto nível de cultura democrática, capazes de promover a despartidarização e desmilitarização das instituições e das sociedades, fomentar políticas públicas afirmativas de forma sistémica (saúde, educação, ambiente, cultura, desporto) com respeito pelos direitos e promoção de sociedades mais livres, equitativas e democráticas para assim potenciar o maior ativo dos nossos países que são os jovens.

O futuro tem que passar necessariamente pela busca da soberania política, económica, produtiva, energética, alimentar, cultural e intelectual. Isso implica ter uma organização regional, a Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental – CEDEAO, reformada, para que deixe de agir com base nos interesses conjunturais das lideranças, ou seja, com maior autonomia institucional e arrojo estratégico, cada vez mais competente e engajada com o bem-estar da sua população.

És Diretor Executivo da Tiniguena, uma das ONGs mais conceituadas da Guiné-Bissau. É legítimo considerar que, de certa forma, as ONGs colmatam as falhas do Estado?
MdB: Há uma errada separação da ação da Sociedade Civil dentro do conceito do Estado. Isso é minimalismo do Estado democrático e uma visão que não faz sentido nos tempos atuais. A concepção de que o Estado são os órgãos da soberania e as instituições públicas, como os únicos detentores de mandato para gerir territórios e serviços, é algo que se superou desde o momento que se convencionou de que o Estado não tem o monopólio de toda a ação pública e que de facto deveria ser igualmente controlado e fiscalizado. Mais caricato ainda, no contexto africano e do Sul, é que há comunidades tradicionais que são entidades que antecederam à organização deste modelo de Estado do tipo ocidental e que são proprietárias e guardiãs de espaços, recursos e ancestralidades que permitem com que o Estado hoje exista enquanto detentor de territórios, culturas e riquezas.

No entanto quando se fala das políticas públicas, em algumas dimensões torna-se conflituante que as mesmas instituições (públicas) sejam os agentes responsáveis pela criação de ambientes económicos e sociais favoráveis e, simultaneamente, pela implementação e fiscalização das suas ações. Viram-se os limites das instituições formais e de coação, distantes da vida social, sem capacidade e alcance de mediação e/ou reparação. Deste modo, ao tomar em conta o impacto dos aspetos distributivos (pobreza), aspetos relacionais (exclusão social), aspetos estruturais (poder/capacidade de influência) reconhece-se que são as Organizações da Sociedade Civil as entidades mais habilitadas para intervir na combinação da ação em torno dessas questões, ou seja, isso tem a ver com cidadania e assumir-se enquanto agente de mudança social.

Ora as ONGs são uma dimensão importante da Sociedade Civil, tal qual os sindicatos, as organizações religiosas, as associações socioprofissionais, as instituições de pesquisa, todos projetos formais alternativos de democracia participativa e de cidadania. Por outro lado, há ainda outras manifestações importantes como pessoas coletivamente organizadas em torno de movimentos sociais que intervêm no campo não formal. Em muitos contextos, o debate em torno da complementaridade e/ou autonomia das ONGs é algo que decorre do perfil dos regimes políticos, na forma como exercem o poder político na sua relação com outros atores, podendo ser mais forte e centralizador ou forte e autónomo, ou ainda fraco e ausente. A dificuldade reside na forma como se projeta a relação de colaboração versus competição.

É claro que houve fases onde o discurso e a ação das ONGs, em vários quadrantes, sobrepôs-se à ação do Estado, sobretudo com as políticas neoliberais da redução do Estado, mas também houve contextos onde as ONGs foram a emanação do poder político, algo que se verifica nos contextos de ditadura ou de democracia disfarçada. Por outro lado, há dinâmicas no interior do movimento das ONGs: há as que se posicionam na interface entre a população e as instituições como “intermediárias”, há as que são meros profissionais prestadores de serviços, mas há igualmente as que atuam como gestores de fundos e ainda há umas que se posicionam como agências de mobilização de fundos dentro do mercado de financiamento internacional.

Toda essa dinâmica resulta de transformações profundas no modelo de solidariedade que norteia a Cooperação para o Desenvolvimento, para a consolidação do neoliberalismo no campo da solidariedade ganhando impulso de investimento e adoptando instrumentos e discursos do setor privado para o setor social, bem como a incorporação no setor privado de discursos como “responsabilidade social das empresas” encobrindo o marketing.

A crise do financiamento internacional para o desenvolvimento gerou a deslocação do campo de intervenção de várias ONGs para a competição com suas parceiras, mas também à disputa com estruturas públicas dos mesmos recursos e protagonismos, levando igualmente as ONGs a recriarem a economia social, baseada na possibilidade de autofinanciamento para enfrentar questões como o desemprego, acesso à habitação, produção de bens, mutualidades na saúde, apoio aos grupos vulneráveis (crianças, idosos, pessoas com deficiência), mas também mecanismos de segurança social para os produtores rurais em particular as mulheres, a partir de premissas de economias territoriais ou de valorização dos recursos endógenos.

Da minha experiência, durante estes 20 anos, enquanto ator e interessado em estudar esses processos, a lição que tiro é que esta forma de “engenharia sociopolítica”, desencadeada por atores considerados “não governamentais”, não significa que não estejam inseridos no âmbito do Estado. Têm influenciado aspetos comportamentais e relacionais de grande parte do pensamento e da ação pública, permitindo, como sujeitos sociais, a afirmação não só de sociabilidades como de construção de alternativas socioeconómicas e sociopolíticas alicerçadas entre o localismo e o cosmopolitismo, contribuindo assim para desconstruir a dicotomia formal/informal, mostrando a sua relação e intersecções, incluindo as Diásporas. Procuram superar desigualdades promovendo a justiça social através do reconhecimento, resgate, promoção e valorização da capacidade das comunidades e sociedades em geral em construir mecanismos de inclusão e influência da agenda política na vida pública, gerando transformações, conhecimentos e aprendizagens.

Posso dar dois exemplos muito concretos no que tange ao nosso caso: – um dos maiores problemas que enfrentamos é o negócio da madeira e a consequente desflorestação, com impactos incalculáveis quer para natureza, mudanças climáticas e economia local e nacional. Se não houvesse a ação das ONGs no sentido de denunciar a corrupção e os males associados a esse negócio ilícito, elucidar a opinião pública, mobilizar comunidades para a defesa do seu património e santuários florestais, realizar estudos de impacto que demonstram as perdas inclusive financeiras com a exportação da madeira bruta e que viola as leis nacionais e ainda criar bases para edição de modelos de gestão endógena e comunitária que regulam esses espaços e recursos, quem iria fazê-lo?.

Um outro exemplo, é a questão da alimentação escolar. Levamos anos a tentar convencer as autoridades que deveríamos superar a lógica de segurança alimentar para soberania alimentar. Em 2006, iniciamos o projeto “kil ki di nos ten balur” (o que é nosso tem valor), para além do investimento na capacidade de transformação local dos produtos da biodiversidade a partir de tecnologias ecológicas e baseadas em saberes locais com organização de fóruns de produtores. Criou-se uma rede de distribuição e comercialização solidária e ainda projetou-se a promoção do consumo dos produtos naturais e locais. Agora, estamos a trabalhar com alguns desses produtores e produtoras rurais enquanto fornecedores da matéria prima para a alimentação escolar no âmbito do programa Cantina Escolar, como forma não só de redução da dependência externa com a importação, mas sobretudo de empoderamento social, económico, organizacional dos camponeses e a sua consciencialização para a luta contra a pobreza através de um múltiplo investimento no ensino (redução de desistências, melhoria da capacidade nutricional e cognitiva dos alunos, educação do paladar), na economia familiar e no futuro dos seus filhos. Então nesses casos, as ONGs ainda continuam a ser apenas complementares?

Com isto, quero dizer que a legitimidade das ONGs não deve ser colocada apenas na eficácia dos serviços que prestam, mas sobretudo dentro do âmbito dos seus mandatos enquanto Movimentos Sociais, na capacidade de agirem com coerência (interna) e correspondência (externa/territorial), baseadas numa visão própria, com agenda de interesse público e geradoras de impacto no campo da cidadania de forma ativa e plena.

Foste reconhecido como uma das Personalidades Mais Influentes da África Ocidental (2019). Acreditas que o trabalho que tens desenvolvido até aqui pode servir de inspiração para outros jovens, no sentido de mostrar que, embora a caminhada seja longa, existem perspetivas de futuro?

MdB: Eu não me esgoto em mim, muito pelo contrário. Sou uma confluência de processos dinâmicos, contextos e de comunidades de afinidades. O trabalho que tenho a possibilidade de desenvolver, antes de tudo, tem-me permitido absorver aprendizagens e conhecimentos que essas comunidades têm sido capazes de recriar de forma útil, permanente e que lhes dão sentido de pertença (como são os casos de povos tradicionais), instrumentos para abordar as contingências de vários níveis (como são os casos das mulheres rurais e/ou dos movimentos juvenis), modelos de agenciamento de novas abordagens organizacionais (como é o caso da Tiniguena, onde passo a maior parte do meu tempo) e a criação da capacidade de produção da massa crítica (como são os casos dos centros de pesquisa nos quais estou integrado). São esses engajamentos que foram, antes de tudo, reconhecidos e que me inspiram para a intervenção pública.

“Só resiste quem tem consciência de si e profunda consciência sobre a sociedade”
Em segundo lugar, não acredito que é essa projeção, com certa dose de visibilidade que servirá aos jovens para se inspirarem. Pode até ser em alguns casos, mas não é o elemento decisivo. Os jovens têm sido protagonistas principais da ação mobilizadora em prol da ampliação da cidadania, pois só resiste quem tem consciência de si e profunda consciência sobre a sociedade, algo que não nos falta em África e nem precisa acontecer apenas quando as distinções acontecem. Entretanto, é verdade que hoje as sociedades estão fortemente marcadas por intensos consumos e estilos de vida desencadeados pelos fenómenos mediáticos (youtube; selfies) que potenciam alguma alienação indentitária e imediatismos, mas não há nenhum projeto social capaz de se emancipar sem que esteja integrado num modelo socioeconómico e socioambiental viável.

Daí que, o desenvolvimento da capacidade organizativa dos jovens que permita o ensaio de modelos de autoeducação e autogovernação não hierárquica, consensual, participativa e equitativa de comunicação não violenta, será sim, o elemento crucial que contribuirá para a mudança de paradigma do futuro dos jovens. Daí o espaço como Teatro GRIOT (em termos territoriais) e BANTUMEN (em termos virtuais) constituem uma confluência para a operacionalidade de estratégias de mobilização através da comunicação também abertas, de tal forma que os próprios sujeitos tenham consciência e interesse em pensá-las e concretizá-las. Assim se conseguem projetos mobilizadores enquanto elementos fundamentais para vincar e manter uma agenda própria com reconhecimento, identidade e impacto no espaço público.

Ao nível dos jovens que estão na diáspora, de que forma estes podem ser considerados elementos estratégicos para o desenvolvimento do continente?

MdB: É importante falarmos nas Diásporas, no plural. São comunidades de afinidades que podem ser baseadas em identidades territoriais e/ou imaginadas cuja máxima varia de geração a geração, de acordo com contextos globais e específicos nos quais cada comunidade se integra, associada à relação que desenvolve com as sociedades compreendidas como de origem. Mas, o elemento crítico é o “capital da herança” ideológica (cultural, política, histórica e social) que mobilizam para as suas ações públicas. Essa construção teórica é algo muito complexo porque requer dimensões de reconhecimento e aceitabiliadades que muitas das vezes transformam as tensões sociais num limbo que, individualmente e coletivamente, são inculcados pelas representações sociais e cristalizadas pela mediatização.

Mais complexo ainda quando esse conceito é aliado ao da Juventudes, também no plural. Aqui empresto as reflexões da socióloga moçambicana Alcinda Honwana, que caracteriza esse estádio como “waithood” (idade suspensa) para designar as complexidades da transição multifacetada e temporal para a vida adulta, tendo como variáveis aspetos da vida social como o acesso às oportunidades de formação e aprendizagem, empregabilidade, casamento e constituição da família, participação cívica. Essas dinâmicas fazem com que as Juventudes sejam compreendidas como relações entre a posição social, a idade e o poder em torno de significados e pertenças.

“É preciso que os jovens nas Diásporas se mobilizem“

Analisando as Diásporas negras, é necessário ter uma abordagem histórica, cujo contributo dos percursores do Pan-africanismo, como Marcus Garvey e William Du Bois, são fundamentais para perenização da memória e consciência histórica de trajetórias de sofrimento, mas também de resistência para a construção e afirmação de uma agenda pública antirracista e de reconhecimento do legado e contributo dessas comunidades subalternizadas e inviabilizadas em contextos de opressão.

Mas importa dizer que ao analisar as Diásporas africanas, constata-se, nos tempos atuais, maior dinamismo em África, sendo que mais de 80% dos migrantes africanos estão a residir no próprio continente, na fase compreendida como jovem e ao associar à Diásporas fora do continente, o peso por exemplo das remessas na economia africana chega a atingir mais 60 mil milhões de dólares ultrapassando a Ajuda Pública ao Desenvolvimento que se situa entre 40 e 50 mil milhões de dólares. Esses dados são muito importantes na medida em que os jovens no contexto diaspórico, embora marginalizados constituem um dos ativos mais produtivos e criativos, mas colocados fora do sistema económico e do poder quer das sociedades de acolhimento, mas também nas sociedades de origem. Essa dupla exclusão é algo que se comunga entre a Diásporas e as Juventudes sobretudo porque são atores da transformação, algo que gera medo ao sistema neocolonial e simultaneamente aos regimes mais fechados e ditatoriais.

Deste modo, torna-se mais que evidente a necessidade da mobilização desse ativo historicamente inegável, intelectualmente defensável e empiricamente demonstrável em torno de afinidades culturais, atividades políticas e convenções socioecómicas que embora sejam ainda alvo de exclusão e racismo (incluindo em África) podem e devem ser amplamente mobilizados para a transformação da África e das suas Diásporas, através dos jovens. Isso significa a revisão da ideia de cidadania e da mobilidade dos migrantes e de seus descendentes para além das nacionalidades específicas. Neste campo particular, a União Africana, no processo da sua reforma, deu alguns passos importantes para incorporar formalmente as Diásporas africanas nos seus vários mecanismos, inclusive a supressão de vistos de entrada na capital sede da União, Etiópia e vários países estão a seguir esses passos, embora que ainda tímidos.

As experiências dos africanos e de seus descendentes respondem de forma eficaz ao ecossistema produtivo, criativo, económico e social sobre a potência africana e sua relevância é de extrema atualidade, tendo em conta as possibilidades de construção das narrativas emancipatórias para mudanças de paradigmas. É preciso que os jovens nas Diásporas se mobilizem em comunidades de afinidades para estarem numa posição de poder que permita tomar posições coerentes, justas e transformadoras para deixarem a humanidade em melhores condições do que a herdaram.

PONTO DE ORDEM: Porque é que não se introduz (a exemplo de Cabo Verde) o crioulo - que mais de 90% da população entende ou fala - no currículo escolar? Fica a dica. Num país com dezenas de etnias, favorecer uma pode ser perigoso. AAS

OPINIÃO: A Islamização do Estado Guineense

Por: Sana Cante

O Debate em torno da questão da implementação do Árabe no sistema curricular guineense nem é debate, mas tão só a revelação dos fatos que motivaram a sua implementação, o lançamento do Primeiro pilar da Islamização do Estado Guineense, quando é o próprio Ministro Golpista da Educação, Arsénio Jibril Baldé, na sua voz e imagem confirmada com uma nota à imprensa, a revelar que, passo a citar, 'anós nó misti pa tudo fidju de muçulmano pai lei alcorão diritu, pai cunsi caminho de Deus diritu... pai cibi ciência diritu pai pudi concorri ku si colegas di utur confições religiosas', fim da citação.

Declarações profridas no Gabinete do Ministro da Educação Nacional do Estado Laico da Guiné-Bissau. Contra fatos não há argumentos. Portanto, é escamotiar a verdade por via de abordagens acadêmicas ou científicas, quando não é essa a questão.

Isto, associado com o programa tribalista do Sissoco Embalo, líder do atual Golpe de Estado, que durante a campanha eleitoral promoveu o islogan na lingua Fula '#Hancalla_Idhan_Hôrremá', por diversas vezes, convocou os muçulmanos para votarem nele por ser dessa religião, convocou fulas estrangeiros para sua plataforma política para fazerem apelo ao voto étnico... quer dizer, vamos ignorar tudo isso?! Fingir que nada aconteceu ou está acontecendo?! fingir que desarmaram das suas campanhas da divisão etnico religioso?!

Tá bem tá... ainda bem que Deus está a ver tudo!

Quem não gosta do nosso mosaico etnico cultural tem outra opção: abandonar a nacionalidade guineense e o seu território.

Por cá, nós letdji bhaledji, os complexados, vamos bem com a nossas catanderas, nossas balobas... e esses valores culturais guineenses serão protegidos custe o que custar.

Não vamos esperar até que todas as balobas sejam transformadas em mesquitas ou até que nos comecem a obrigar a adoptar certar condutas e padrões de roupas, comidas e modo de vida em geral.

Povo I Ka Lixo

quarta-feira, 26 de agosto de 2020

OPINIÃO: Moral e falta dela

Colectivo dos Advogados de Aristides Gomes faz cair a máscara do PGR: AFINAL NÃO EXISTE NENHUM PROCESSO OU INQUÉRITO INDICIANDO CRIMES...

O Que já era de esperar se confirmou com a Conferência de Imprensa do Colectivo dos Advogados de Aristides Gomes. Não existe no Cartório do Ministério Público nenhum Processo e muito menos chegou de ser realizado um inquérito que indicie algum crime que envolve o Primeiro-Ministro Legítimo.

Tudo não passa mesmo de uma farsa e perseguição política, movida pelo Procurador Geral da República, Fernando Gomes, a mando do Auto-Proclamado Presidente, Umaro Sissoco Embalo.

Como evidência deste caso atípico de fazer justiça..., o Colectivo dos Advogados revelou o facto das Nações Unidas terem solicitado ao Ministério Público detalhes que mostram indícios de uma eventual suspeita de crime, ao que este não dignou responder.

Fernando Gomes não foi capaz de facultar as NU nenhum elemento, numa atitude cobarde e vergonhosa de quem está obstinado a humilhar e coagir um Chefe do Governo que foi protagonista da maior apreensão da droga de sempre no país, entre outras realizações que configuraram uma assinalavel Gestão Republicana.

Em contra-senso Fernando Gomes faz vista grossa aos inúmeros casos de crimes, alguns com evidências...que requerem um papel mais interventivo, enquanto Advogado do Estado e Fiscalizador da Legalidade.

A recusa por parte do Governo em cumprir a sentença do Tribunal relativo à detenção Ministro dos Transportes, Jorge Mandinga, constitui uma autêntica "pedrada no charco". Isso, acrescido aos inúmeros casos de indivíduos com mandados de detenção, que continuam a solta, sob a proteção dos militares...

Assim sendo, a saga de perseguições que estão sendo engendradas pelo Procurador Geral da República vão esbarrar sempre na posição firme dos ainda guardiãos de uma justiça transparente, justa e equitavel, como são neste caso os advogados de defesa de Aristides Gomes.

Com a conferência de imprensa desta Terça-feira, marcado pelas explicações contundentes da Defesa de AG, tudo ficou esclarecido. De cor e salteado. Enquanto não tivermos um Ministério Público, na sua verdadeira aceção do termo ou que não "preste vassalagem" ao poder para asseguraŕ o tacho, todas as tentativas de Fernando Gomes em humilhar e prender Aristides Gomes vão cair em saco roto...

Nota rodapé: Qual é a moral que Fernando Gomes tem em exigir justiça se pende sobre ele uma condenação por crime de Peculato e de danos patrimoniais, derivados do desvio de cerca de 700 milhões de Francos CFA? Este montante constituía o remanescente dos fundos recuperados pelo Ministério da Função Pública, referente aos pagamentos dos chamados "Funcionários Fantasmas". Na altura FG era Ministro da tutela (2009-2010) no então Governo de CADOGO Junior.

Eleutério Pontes

PATARATA: “Chefe de Botche Candé” manda ministro do interior devolver viatura

O ministro do interior, Botche Candé, terá sido “obrigado”, esta terça-feira (25.08), pelo “seu superior” a devolver a Iaia Djaló, ex-titular da pasta do comércio, a viatura que esteve na origem da detenção, na semana passada, do então secretário de estado do tesouro, Suleimane Seidi, informou a CNEWS, uma fonte ligada ao processo.

E segundo ainda o Capital News apurou junto da mesma fonte, a ordem já foi cumprida por Candé e a viatura está, de novo, na posse de Iaia Djaló.

O CNEWS assistiu às “manobras da saída da viatura nas instalações do Departamento de Informação Policial e Investigação Criminal (DIPIC) e foi confidenciado pela fonte, de que Botche Candé teria recebido “ordens superiores”, sem revelar de quem, para levar de volta a viatura, à família de Iaia Djaló, enquanto o ex-governante se encontra fora do país.

Suleimane Seidi, secretário de estado do tesouro, do governo de Aristides Gomes, foi detido, por 24horas, no Ministério do Interior, e obrigado a entregar a viatura dupla-cabine, que tinha sido adquirida pelo executivo anterior e afetada ao ministro do comércio de então, Iaia Djaló. Capital News

1 MÊS DEPOIS DO ATAQUE: Rádio Capital FM retomou as suas emissões na próxima semana. AAS

UNIOGBIS: REUNIÃO DE RESTITUIÇÃO DO RELATÓRIO APRESENTADO NO CS DA ONU AOS PARTIDOS COM ASSENTO PARLAMENTAR

"Tomaram parte na reunião os Representantes dos Partidos Políticos com Assento parlamentar, a convite da Senhora Representante do SG NU na Guiné-Bissau, Rosine Coulibaly nas instalações da UNIOGBIS, em Bissau, hoje, 25 de agosto, das 10 as 12 horas, com o objetivo de informar os Partidos Políticos das apreciações e recomendações do Conselho de Segurança da ONU sobre o Relatório do Secretário Geral das NU, sobre a situação política na Guiné-Bissau.

Todos os Partidos Políticos com Assento parlamentar estiveram representados no encontro.

1- A Senhora Representante informou que o Conselho de Segurança reconhece as ações importantes como o Reconhecimento internacional dp Presidente da República eleito, General Umaro Sissoco Embalo e a aprovação pelo Parlamento, do Programa do Governo do Eng. Nuno Gomes Nabiam.

2- Também informou que o Conselho de Segurança emitiu uma mensagem forte para as autoridades atuais da Guiné-Bissau, no sentido de completar o quadro de exigências da Comunidade internacional no respeita às Reformas das Leis do País, nomeadamente, a Constituição da República, Lei Eleitoral e Lei Quadro dos Partidos Políticos, em vigor. Igualmente, recomenda que as reformas dos Setores de Defesa e Segurança sejam operadas.

3- O Conselho de Segurança também analisou as questões de Tráfico de Droga da respeito pelo princípio de Estado de Direito Democrático, da Justiça e dos Direitos humanos na Guiné-Bissau assim da liberdade e pluralidade de opiniões. O Conselho de Segurança exortou as autoridades guineenses para a promoção do Diálogo Nacional Inclusivo envolvendo partidos políticos e a Sociedade Civil - Pacto de Estabilidade Política para consolidação da democracia e boa governação do país.

4- Lembrou aos partidos políticos que a Missão da UNIOGBIS chegou ao fim e processo de transição está em curso prevendo o seu término em finais de dezembro deste ano em curso, com a transferência dos dossiês às outras Agências dos Sistema das Nações Unidas no pais e na Sub-região africana.

5- Informou que, apesar do fim da missão de UNIOGBIS, a CEDEAO, UA e NU, continuam acompanhar o país na sua luta para estabilidade política e governativa.

6- Reconhece que a CEDEAO não dispõe um mecanismo de seguimento e avaliação das suas ações no terreno e compete a Guiné-Bissau adotar este mecanismo tão necessário, tendo em conta às nossas nossas fragilidades sócio-políticas.

7- A questão da liberdade da imprensa também mereceu à atenção dos Membros do Conselho de Segurança com destaque no último incidente da Rádio Capital FM.

8- Reconhece o fato estarem em curso diligências ao nível da ANP e da Presidência da República, para a revisão da Constituição da República e exorta os Partidos Políticos no sentido de se engajarem neste processo. Os partidos devem identificar os pontos ou elementos de conflito nas leis internas com vista à sua remoção.

9- Informou que está agendado um encontro na sexta-feira, para o Governo da Guiné-Bissau apresentar o seu Programa ao Sistema das Nações Unidas, convidando para o evento outras instituições do estado guineense. Exortou aos políticos no sentido de avaliação das capacidades nacionais na resolução das principais questões do país."

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