A maioria dos países da África Ocidental (das antigas colónias francesas e britânicas) conseguiu as suas independências por vias políticas.
Sem uma herança militar forte, como é que esses regimes pós-independência se transitaram rapidamente para sistemáticos métodos violentos e antidemocráticos de conquista do poder?
Há vários motivos para isso, a começar pela necessidade do reequilíbrio social e político, assim como a tentativa de reconquistar o poder político e económico das mãos de elites coloniais, as únicas que tiveram o privilégio de ser académica e institucionalmente formadas.
Outros motivos têm a ver com as características individuais (leia-se ambições pessoais) dos seres humanos. Mesmo esses países sem movimentos de luta armada pela independência decidiram-se pela adopção de posturas militares e aristocráticas. Assim, a África (independente) rapidamente abandonou as correntes do pensamento imbuídas nos espíritos de Steve Biko, Haile Selassie, Patrice Lumumba, Thomas Sankara, Léopold Sédar Senghor, Amílcar Cabral, entre outros, e optou por modelar (assimilar) outras figuras, nas subsequentes eras das ostentações de “bengalas” e da autoproclamação dos generais de cinco estrelas.
Sim, era de esperar que os golpes de estado fossem parte do passado da África, sobretudo depois do início da democratização do continente. Mas, uma tal presunção é simplesmente distorcida da realidade. Quando a democracia não produz resultados para a vasta maioria da população, que outras alternativas para um povo depredado de quase tudo?
Sem uma educação de base, sem uma formação eficaz, sem salários condignos e sem um sistema político confiável, não nos deve restar duvidas de que no continente africano as pessoas ainda vivem sob às alçadas de instituições não construídas (e nem geridas) em conformidade com os interesses e as necessidades das populações.
Deste modo, pode-se argumentar facilmente que, hoje em dia, os golpes de Estado, particularmente no continente africano, estão intrinsecamente ligados às razoes INTERNAS e com muita pouca influência GEOESTRATÉGICA (regional, neocolonial ou outra). Aliás, quem acompanha as práticas económicas no continente chegaria à conclusão que são poucos os países europeus com significantes investimentos (e interesses económicos) em países tão instáveis como o Mali, a República Centro-Africana, etc. Em qualquer desses exemplos, para além da competição (antidemocrática) pelo poder político, as más instituições políticas são, em grande parte, responsáveis pela nova série de golpes de estado ou pela manutenção da instabilidade militar.
Aliás, como escreveu no seu livro “O Golpe de Estado Democrático” (2017), Ozan Varol traz uma abordagem sofisticada e crítica sobre as nossas leituras precipitadas sobre os golpes: “Assumimos que todos os golpes têm a mesma aparência, o mesmo cheiro e apresentam as mesmas ameaças à democracia. É uma ideia poderosa, concisa e auto-reforçada. Mas, a tal ideia é também errada” (2017, abstracto). Argumentos similares são avançados por Carlson Anyangwe na sua obra “O Derrube Revolucionário das Ordens Constitucionais na África” (2012).
Assim, quer queiramos admiti-lo ou não, quando a situação política, social e económica de um país é muito ruim – como é o caso da maioria dos países da África Ocidental – qualquer golpista pode facilmente encontrar explicações que justifiquem o acto “militar” de sacrificar e/ou penalizar algumas instituições (políticas), em nome dos anseios superiores do povo e doutros desígnios nacionais. Lembrem-se do Movimento Reajustador 14 de Novembro. Quero sublinhar a palavra “reajustamento” para a vossa análise.
E porque muitas pessoas na África Subsaariana estão acorrentadas pela pobreza sistemática e tantas outras pela violência étnica e religiosa, as elites militares, assim como muitos partidos políticos (na oposição) e até a sociedade civil, vêem os golpes como o necessário “botão de reset” (de recomeço) – oportunisticamente ou não. Estes foram certamente os casos de Mali e da Guiné-Conacri. Aqui, gostaria de sublinhar as denominações o “Comité Nacional para a Salvação do Povo” (Mali) e o Comité Nacional de Reconciliação e Desenvolvimento (Guiné-Conacri).
Baseando-se em simples leituras dos termos “reajustamento” (Guiné-Bissau, 1980), “salvação” (Mali), reconciliação e desenvolvimento (Guiné-Conacri), pode-se chegar à conclusão de que há muito tempo que o inimigo deixou de ser externo, embora esse tal argumento seja sempre o mais fácil de fazer. Mas, devemos ter a coragem de analisar tais questões com a necessária profundidade. Assim, perante à fraca herança e capacidade institucional em muitos países, o processo de ajustamento social, político e económico no continente africano era de prever.
Até quando a África estiver em condições de confrontar e apaziguar a longa sombra das suas debilitadas instituições políticas – condições meramente internas (e algumas de carácter regionais) -- e injectar o necessário desenvolvimento económico, será difícil livrar-se dos persistentes golpes de estados que, em muitos casos, resultam das próprias pressões sociais internas e do chamamento patriótico (le devoir patriotique).