quarta-feira, 31 de agosto de 2022

Guiné-Bissau regista aumento de casos de malária

 FONTE: LUSA

A Guiné-Bissau está a registar neste momento um recrudescer de casos de paludismo (malária), uma situação que o coordenador do programa de combate à doença, o médico José Ernesto Nante considera como "normal nesta altura do ano".

Em declarações à Lusa, o médico, especialista em saúde pública, indicou que as regiões de Bafatá e Gabú, no leste do país, Bolama e Tombali, no sul, são as zonas com maior taxa de prevalência da doença, sobretudo em crianças.

Ernesto Nante assinalou que o aumento de casos do paludismo acontece geralmente entre os meses de junho e novembro, período das chuvas na Guiné-Bissau, mas que este ano a situação regista um ligeiro aumento nas quatro regiões.

O médico defende ainda que o pico da incidência da doença será no mês de novembro.

O coordenador do Programa Nacional de Luta contra o Paludismo disse que a Guiné-Bissau é considerada um país endémico, mas desde 2016 o Governo, sob recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS), começou uma intervenção nas comunidades, visando a erradicação da doença em 2030.

"Toda a população guineense é vulnerável ao risco de contaminação, mas o Governo elegeu o paludismo como impactante para a economia da população, daí ter elaborado uma estratégia nacional de combate à doença", observou Nante.

A chamada intervenção QPS (Quimio Prevenção Sazonal), consiste em dar dois antipalúdicos às crianças de até 59 meses e às grávidas a partir de 13 semanas que tenham comparecido às consultas pré-natais nos centros de saúde.

"Dando medicamentos como Fansidar e Modoquina isso garante proteção à criança de 75% a 92%", observou Ernesto Nante.

Olhando para os dados, o coordenador Nacional de Luta contra o Paludismo afirmou que a situação "tende a conhecer melhorias", em comparação com o período antes de 2016.

"Segundo os dados do Instituto Nacional da Saúde Pública no decorrer de 2021 foram notificados um total de 181. 855 casos entre os quais resultaram em 462 óbitos", observou Ernesto Nante, frisando que nos primeiros seis meses deste ano foram contabilizados cerca de 58 mil casos.

O responsável, no cargo há sete meses, disse que uma equipa técnica "está a analisar melhor" estes números, com os quais disse não concordar, por entender que "a situação reduziu-se bastante" nos últimos anos.

Comunicação social pública da Guiné-Bissau marca greve a partir de quinta-feira

FONTE: LUSA

O Sindicato Nacional dos Profissionais dos Órgãos Públicos de Comunicação Social da Guiné-Bissau entregou um pré-aviso de greve a partir de quinta-feira para reivindicar, entre vários pontos, o final do processo de efetivação de jornalistas.  

 Segundo o documento, a que a Lusa teve hoje acesso, o sindicato reivindica a conclusão do processo de efetivação dos jornalistas e técnicos dos órgãos públicos da comunicação social, iniciado em 2020 e o pagamento de cinco dos 22 meses de subsídios em dívida com os funcionários em fase de efetivação. 

 O sindicato reivindica também o seguimento do projeto de Estatuto Remuneratório dos profissionais dos órgãos de comunicação social públicos e o esclarecimento por parte do Ministério das Finanças sobre os "fundos provenientes da cobrança da taxa de audiovisual destinada" à imprensa pública. 

 "Caso as partes não cheguem a um entendimento para a solução dos pontos elencados, o sindicato reserva-se ao direito de iniciar uma greve a iniciar às 00:00 de 01 de setembro e com término às 00:00 do dia 06 do mesmo mês", refere o sindicato. 

 O sindicato representa os jornalistas e profissionais da Rádio Difusão Nacional, Televisão da Guiné-Bissau, o jornal "Nô Pintcha" e a Agência de Notícias da Guiné.

terça-feira, 30 de agosto de 2022

EXCLUSIVO DC - “A violência política surpreendeu-nos”, Domingos Simões Pereira, líder do PAIGC (ÚLTIMA PARTE)

ENTREVISTA: Fernando Jorge Pereira

FOTOGRAFIA: Elca Pereira

                                          Domingos Simões Pereira, Presidente do PAIGC

Com as constantes violações dos direitos humanos e liberdade de imprensa e de outros direitos que se verificam no país, os guineenses parecem alimentar alguma expetativa na fiscalização da comunidade internacional. Como vê o papel dos parceiros externos nesta conjuntura?

Eu sempre disse e continuo a acreditar que o papel da comunidade internacional não é de substituir as nossas instituições. Terão que ser os guineenses a assumir as suas responsabilidades, a criar mecanismos de resistência, e a criar opiniões que possam meter pressão sobre o poder político, de forma a poder respeitar as regras democráticas. Agora é óbvio que a comunidade internacional tem um papel neste contexto. E qual é esse papel? É fazer uma leitura da situação política nacional e dar a conhecer a sua posição, se está próxima daquilo que são os ditames constitucionais e democráticos, ou não está. E quando um poder se afasta daquilo que são os princípios democráticos, a comunidade internacional tem a obrigação de demonstrar indisponibilidade em acompanhar esse regime. Não precisa armar gente para vir fazer guerra ou fazer política em nosso lugar.

E esse puxão de orelhas é suficiente?

Eu tive oportunidade de participar em vários exercícios e pareceu-me que esses exercícios podiam resultar em algo concreto. Vou dar alguns exemplos. Há pouco mais de dois anos esteve no país uma missão das Nações Unidas, conduzida pelo moçambicano João Bernardo Honwana. E essa missão convidou-nos a uma grande discussão e na altura sugeri a missão lançar uma reflexão sobre a validade do princípio de subsidiariedade que as Nações Unidas aplicavam. Porque o princípio de subsidiariedade que diz que nós pertencemos à CEDEAO, e portanto a CEDEAO é que representa a visão do Conselho de Segurança, na realidade o que faz é colocar a frente de decisões muito importantes da comunidade internacional um elemento da sub-região. E quando se coloca um elemento da sub-região a tratar de um assunto, por exemplo da Guiné-Bissau, primeiro, esse elemento da sub-região está mais propenso a ouvir o seu chefe de Estado, do que a ouvir as Nações Unidas. Porque quando termina a sua missão, vai para junto do seu chefe de Estado e não para as Nações Unidas. A segunda questão é que organizações como a CEDEAO muitas vezes enfrentam problemas financeiros. Portanto, acaba sendo uma questão de quem tem disponibilidade. É preciso mandar uma missão para a Guiné-Bissau. Mas quem tem disponibilidade para financiar esse programa para a Guiné-Bissau? Vai ver que invariavelmente são entidades e nações que têm interesses na Guiné-Bissau. E quando alguém tem interesse dentro do próprio país, vai seguir a sua agenda e não vai seguir a agenda internacional.

E como é que o princípio da subsidiariedade deve ser acomodado para não permitir a prevalência de agendas particulares? 

- Através das Nações Unidas. Ou seja, a ONU deve ter sempre a última palavra. E portanto a CEDEAO, a União Africana, a CPLP ou a União Europeia, todos podem ter uma função, mas deve ser sempre sob o chapéu da ONU. E a representação deve ser sempre de alguém fora da sub-região. E a decisão deve ser sempre tomada em assembleia, reunindo todas as partes envolvidas. Quando as Nações Unidas ganham distância e esperam que a CEDEAO resolva, para depois levar a validação ao Conselho de Segurança, assim fica tudo enviesado. Como é que espera que um guineense acredite que o senegalês que está na Guiné-Bissau está para nos assistir? Porque que a ONU evita mandar para os países cidadãos de territórios limítrofes? E porque que esse princípio não é observável na CEDEAO? 

Aparentemente, a sua inédita audiência com o Presidente Embaló tinha por razão principal defender a não dissolução da Assembleia, e não negociar a participação do PAIGC no Governo de iniciativa presidencial?

Não foi só a razão principal, mas também a única razão. O problema é que a partir do momento em que se equaciona a dissolução do Parlamento, estamos a anular uma legislatura. Portanto, era e continua a ser inconcebível que eu, enquanto presidente do partido, com base nesta avaliação, não marcasse presença para que, tendo terminado uma legislatura, e estando a começar uma nova legislatura, o PAIGC possa participar no diálogo político para novas eleições. Eu seria o único responsável pelo PAIGC não poder participar no processo de diálogo para a nova legislatura. O que as pessoas confundem é exatamente isso. A partir do momento que se dissolve a Assembleia, não há legislatura. A legislatura acabou.

Mas ao ir a audiência, apesar de não reconhecer legitimidade ao chefe de Estado, não estaria a tentar abrir um espaço de diálogo para encontrar uma saída ao bloqueio do congresso do seu partido, assim como para pôr termo às perseguições de que tem sido alvo por parte do Ministério Público?  

Eu compreendo quem pense dessa forma. E é óbvio que quando as pessoas falam estão mais próximas de chegar a entendimentos. Uma audiência que estava prevista para 10/15 minutos, acabou por ter uma 1 hora e 40 minutos de conversa, e provavelmente ajudou em muitos aspetos. Por isso é que digo que é triste desperdiçar oportunidades como essa. Porque custou-me tomar a decisão de ir ao palácio. Mas sendo uma necessidade objetivo por parte do meu partido, considerei que a minha visibilidade pouco contava e fui. E aproveitei essa oportunidade para realmente abrir vários quadrantes de diálogo, que me pareciam poder realmente resgatar o país. Não só para mostrar o erro que foi a dissolução do Parlamento. E à saída dei o tal exemplo da bomba atómica, dizendo que quem tem bombo atómica, não tem bomba atómica para lançar, porque a partir do momento em que se lança a bomba, acabou. Não há como recolher os destroços e evitar as consequências. Nós chamamos a atenção para isso, e dissemos que era uma análise desenquadrada dizer que vamos dissolver o Parlamento, porque o Parlamento não se entende. Ainda bem. Se o Parlamento não se entende, ainda bem. Porque? Porque é suposto o Parlamento ser a miniatura da sociedade guineense. E se conseguirmos concentrar numa miniatura aquilo que é o problema da sociedade, então estamos bem. Agora acabamos com a miniatura, todos os problemas voltam a sociedade. Mas as pessoas vão dizer não, o Domingos terá aproveitado a audiência com o Sissoco para falar das restrições que pendem sobre ele, da questão relativa ao congresso do PAIGC. Eu posso lhe garantir três coisas. A primeira é que essa minha ida foi o meu único contato com Sissoco Embaló. Não houve mais nenhum outro contacto direto. Durante a audiência, em nenhum momento levantei essas questões relativas à minha perseguição. Se bem me lembro, o comandante Manecas ( Manuel dos Santos,  veterano e um dos históricos dirigentes do PAIGC, de origem cabo-verdiana) foi quem disse a Sissoco Embaló, como é que você quer apaziguar o ambiente político nacional, se continua a perseguir o PAIGC e o seu presidente. E deu outros exemplos, nomeadamente o recenseamento dos funcionários públicos em curso. E contou que foi para a reforma em 1992, e nessa altura organizou toda a sua papelada e a reformou foi publicitada no Boletim Oficial. Achava que não fazia sentido e não compreendia como é que lhe pediam hoje que fosse a todos os sítios por onde já tinha passado, pagar gente para lhe passar uma declaração, gente que era miúda quando ele deixou de trabalhar. Se o Estado não faz o seu trabalho e não tem capacidade de poder saber quem fez que percurso, ele teria que se submeter a este tipo de vexame, para o seu nome poder figurar na folha de reformados.

E não pediram a cabeça do ministro do Interior, Botche Candé?

Em nenhum momento. Não falamos de nomes de ministro, nem de quem devia ser posto ou tirado. Compreendo que as pessoas possam fazer deduções. E porque a dedução? Foi dito nessa audiência e sobretudo nos encontros posteriores, que para o PAIGC se sentir a vontade a colaborar e a participar da governação, tem que ter o mínimo de garantia de que os atos que têm acontecido não voltem a acontecer. E para nós havia dois/ três mecanismos para tal. Esta questão de não interferência do poder judicial na agenda política, era uma das formas. E a não perseguição de atores políticos e da sociedade civil é outra. E aí eu entro obviamente, enquanto cidadão. Mas nós não fomos lá dizer, agora tem que levantar não sei quê em relação. Falamos no geral, até porque os casos mais graves não foram connosco. A tentativa de assassinato do deputado Agnelo Regalla não foi necessariamente com o PAIGC. No decorrer das negociações, quando começamos a ver que havia dificuldade em dar evidências concretas de que essas práticas não voltariam a acontecer, então sim, os elementos que participaram nesse encontro disseram nessa altura que a única forma de garantir isso é substituir aquelas pessoas que tiveram práticas que realmente não nos dão essas garantias. E vejamos dois exemplos muito concretos. Então dissolve-se o Parlamento e queixa-se de que o governo tem feito isto e aquilo. Escolhemos dois indicadores que têm sido particularmente evidentes daquilo que tem sido a atuação do governo. A violência e a corrupção. E tudo isto está ligado à governação. Qual é a face mais visível da questão da segurança quando olhamos para o governo? É o ministro do Interior. E qual é a face mais visível na gestão dos dinheiros públicos? É o ministro das Finanças. Então fala de segurança e de corrupção e mantém os dois titulares? O que vai mudar? Mas em nenhum momento exigimos a cabeça deste ou daquele alguém, mas a aplicação rigorosa dos princípios ia lá dar. 

Como é que explica a ausência do PAIGC neste governo de iniciativa presidencial? 

Desde o momento em que foi lançado o processo de diálogo, a nossa interpretação é de que X Legislatura acabou, e tendo terminado esta legislatura e iniciada a XI, com as próximas eleições, há duas opções: ou não se convida nenhum partido e cria-se um governo neutro e equidistante do jogo político, se for possível, ou faz-se de tal forma que os partidos se sintam equilibrados lá dentro.  Quando se começa por colocar um primeiro-ministro, da forma como foi colocado, e um vice-primeiro-ministro, a coisa começa a ficar enviesada, e o PAIGC disse, nós já percebemos que vai ser mais do mesmo. A nosso ver, participar ou não participar no governo não é o mais importante. Podem até ficar com o governo, desde que os princípios que defendemos sejam realmente salvaguardados. É óbvio que esta posição não é subscrita por todos dentro do partido. Quando nós, apesar de todas as promessas feitas e de tudo o que foi dito, chegamos ao dia D e essas garantias não estavam na mesa, eu conclui que não ia decidir em nome dos órgãos superiores do partido. Por isso, convoquei o Bureau Político (BP). E depois de ter feito um resumo de tudo o que aconteceu, ao BP coloquei duas questões: não temos essas garantias, mas o BP pode decidir que, apesar da ausência dessas garantias, vamos avançar. Nessa altura, é o BP que avançou e não o Domingos que decidiu. Ou o BP diz, vamos parar aqui. Fizemos tudo o que dependia de nós. Participamos do diálogo e dissemos tudo aquilo que pensávamos e agora paramos. Se eles quiserem um entendimento connosco, farão também um esforço. Foi isso que foi levado à votação, não a entrada ou não no governo. E a maioria escolheu a segunda opção. Já mostramos disponibilidade, aceitamos o diálogo e apresentamos contrapropostas, agora chega. Deixemos que eles decidam o que bem entenderem. Por isso é que eu sempre disse, que não podemos ser nós a decidir porquê que não entramos. Fizemos tudo o que dependia de nós. Não sendo possível, para nós isso não é o mais grave. Mas não temos condições para nos identificarmos com esta governação, sobretudo depois de manterem os principais atores. Porque no fim o quê que ouvimos? Que o Presidente quer manter e já manteve o primeiro-ministro, o vice-primeiro-ministro e quer manter o ministro das Finanças, do Interior, da Defesa, da Administração Territorial, dos Negócios Estrangeiros, das Pescas e dos Transportes. Manter não, mas quer ter o direito de ser ele a escolher os titulares dessas pastas. Portanto, não há necessidade de mais conversas.

Mas na Defesa, nas Pescas e na Administração Territorial houve troca de titulares. 

Não posso confirmar ou desmentir, mas o que nos chegou aos ouvidos é que o Presidente reservava a si o direito de escolher quem é que seria colocado nessas pastas. Mas então, como ele disse desde o início é um governo dele, e se é um governo dele, estamos conversados.

Nos mais de dois anos do regime de Sissoco Embaló, verificou-se uma agravação da violência política, que culminou com o atentado contra o deputado do partido União para a Mudança, Agnelo Regalla, em maio último. Qual é a sua perceção?

Houve realmente um elevar da fasquia, que nos surpreendeu. Já conhecíamos os sequestros, as agressões e a supressão de liberdades civis políticas e individuais, mas nunca atentados com armas de fogo contra pessoas neste tipo de situações. Coloca-nos numa situação complicada. Todos ficamos apreensivos, por nós e por todos os que exercem atividade política, mas sobretudo pelo próprio país. Porque quando se chega a esse ponto, e nós sabemos que muitos daqueles que fazem essas agressões são jovens, que podem não ter a verdadeira dimensão daquilo que isso representa. Porque começar isto muitas até é fácil, mas a sua envolvência e as implicações, às vezes nos escapam. Por isso ficamos apreensivos. Repare que até em Portugal há confrontos entre ativistas políticos guineense na diáspora. Pessoas a serem ameaçadas de ataque se não deixarem de atacar este ou aquele, em Portugal. Quem podia imaginar a Guiné-Bissau a exportar a violência política.   

E em relação à sua pessoa, ainda vigora a proibição de viajar? E as tentativas de levantamento da sua imunidade parlamentar?

Eu nem sei dizer. Terei provavelmente que comprar uma passagem para poder verificar se continua ou não, o facto é que as afirmações que são feitas apontam nesse sentido. Apesar do tribunal ter dito que não havia matéria para tal medida, e apesar da Assembleia ter reiterado a manutenção da minha imunidade parlamentar, as leis continuam a ser aplicadas de forma seletiva. E o Procurador diz claramente que não tem obrigação de respeitar o Supremo Tribunal de Justiça e não tem obrigações perante a Assembleia. Por isso é que eu disse na tal audiência que temos uma nova modalidade no país. Quem quer ser nomeado Procurador-Geral da República tem que prometer que consegue prender o Domingos. Que venham prender e levem, agora se estão à espera de terem alguma substância jurídica para o efeito, não vão ter. Porque cada um promete quando chega e depois vai compilar os elementos e chega à conclusão que não tem nada. Eu fui primeiro-ministro durante 13 meses e antes disso fui ministro duas vezes. Portanto, deixei muitos traços, que estão nas mãos de quem exerce o poder. Se tivesse cometido alguma fraude, até hoje não descobriram nada? Então o ex-Presidente Mário Vaz não exibia um dossiê e dizia aqui está. E onde é que estão essas evidências? Agora não, agora o problema mão é esse.  o processo relativo ao resgate. O que é resgate? É uma autorização que dei ao ministro das Finanças para negociar com os bancos o alívio da pressão da dívidas, do crédito malparado dos privados. Assinei-o em 31 de julho, e eu fui demitido 12 dias depois. Mas o processo prosseguiu e tornou-se efetivo em novembro, quando eu já não estava ligado a nada. Acionaram um processo judicial ao ministro das Finanças, no entanto o juiz concluiu que não há matéria para julgar o ministro. Mas o mesmo processo judicial ainda continua em relação ao Domingos. Ou seja, aquelas pessoas que devem dinheiro aos bancos, que criaram essa situação de bloqueio, permanecem incólumes. E até são elas próprias que as vezes metem queixa.  

O caso do avião suspeito de transportar droga ou armas e que estava retido na pista do aeroporto desde finais de outubro de 2021 parece ter caído no esquecimento.

Eu vou lhe dizer que este assunto foi uma grande surpresa para mim. Já tinha escutado que o avião já tinha deixado Bissau, mas hoje mesmo ouvi que ainda continua cá. Sabe, isto tem a ver com a natureza de determinados regimes. Quando o Estado não se assume como pessoa de bem, e não alinha com princípios e regras claras, é nisto que dá. Todos nós enquanto cidadãos, somos impelidos a especular. Porque temos uma versão do primeiro-ministro, temos outra da Aviação Civil, do Presidente e também da Polícia Judiciária. Nestas circunstâncias, qualquer um escolhe a versão de que mais gosta. O primeiro-ministro foi ao Parlamento dizer que o aparelho tinha algo, por isso é mandou retê-lo, mas algum tempo depois indicou que, felizmente, não tinha nada. Por seu lado, o Presidente alegou que o avião pertence a gente de bem, e que por isso é que autorizou a sua entrada. Mas depois há um perito americano que veio e garantiu que não precisa encontrar mercadoria dentro do avião, e que podia fazer peritagem para saber o que o avião andou a transportar. Mas o expert americano é detido. Ma se você sabe que o avião é de gente de bem e que só transportou mercadorias autorizadas, porque detém o especialista que veio fazer peritagem aos materiais que estavam no avião? E agora vamos continuar a especular. E a última especulação que ouvi é que o avião não sai porque para sair tem que ter destino, e ainda não há nenhum país em condições de aceitar que vai receber o avião. Porque? Porque durante o período em que o avião ficou parado aqui criou-se uma situação a nível da segurança internacional, com todos os holofotes atentos, à espera de ver para onde vai o avião. Portanto, o país que aceitar receber o avião corre o risco atrair toda a atenção das várias agências que trabalham com as questões de terrorismo. Mais uma vez, estou a especular, porque até aqui é o que nos é dado a fazer.

Outro caso, mas mais polémico, foi o de “1 de fevereiro” último. Propôs criar uma comissão de inquérito incluindo elementos da comunidade internacional. Ainda tem dúvidas sobre a versão oficial do caso?

Como sabe, a justiça tem esta exigência, que é de decifrar o que aconteceu, materialmente, acima de qualquer dúvida, e uma vez decifrada, aí vamos verificar as implicações. Se não saímos ainda da componente material, como é que chegamos à componente política? O grande problema é esse. São realmente os atacantes do Palácio do Governo que estão detidos? E os ditos cabecilhas do assalto, são eles os cabecilhas? Quem sabe? Repare, eu mesmo sendo um actor político, também sou um cidadão, e no dia dos acontecimentos, fui seguindo o caso como todo o mundo, a medida as reportagens estavam a chegar. E quando me dizem que foram cinco horas de tiroteio, eu pensei, das duas uma, ou o local está completamente destruído, porque eram disparados obuses e outras armas pesadas. Mas afinal só partiu um vidro, em cinco horas de tiroteio. E perguntei sobre a segurança das pessoas que lá estavam. Ainda estou para conhecer uma pessoa dos governantes que lá estavam que tivesse sofrido algum arranhão. Cinco horas de tiroteio. Quando tudo terminou, ficamos à espera de informações. A primeira informação veio do Presidente da República, segundo o qual o ataque foi um ajuste de contas entre narcotraficantes. Narcotraficantes? No próprio dia sabe a natureza do ataque? Das duas uma. Ou houve diálogo com eles no momento da operação, ou conhecia essas pessoas, para saber que era um enfrentamento de narcotraficantes. Algumas horas depois no dia seguinte veio a dizer-se que no assalto estavam elementos da rebelião do Casamansa. Os rebeldes do Casamansa também vieram por causa da droga, ou por outras razões? Nessa mesma altura o porta-voz do governo chamou o nome de cinco oficiais militares em como eles estariam envolvidos no ataque. Depois de toda essa confusão, vem uma outra informação dizer que os militares e nenhum quartel tomou parte na tentativa de golpe. Quando ouvi isso, pensei que isso confirma que não se tratava de nenhum golpe de Estado. Porque já tivemos uma série de tentativas de golpe, mas eu pelo menos não conheço nenhuma situação dessas em que os militares não estivessem envolvidos. Quem é que pode dar golpe se os militares não estão envolvidos? É com base nisso tudo que eu falei aquilo que todos os cidadãos falam e aquilo que as entidades oficiais tinham obrigação de respeitar, que é criar uma comissão de inquérito competente, vocacionada e credível, e para ser credível é que dizíamos que seja integrada por elementos de agências especializadas no combate ao narcotráfico e ao terrorismo, e que possa fazer um trabalho que depois de ser apresentado terá realmente a confiança de nós todos. Quando isso não acontece, agora vamos escolher de forma seletiva quem vamos acusar. E finalmente ouvi a entrevista do advogado de uma das pessoas presas a dizer que o Ministério Público concluiu o seu trabalho e elaborou um documento com nota de soltura, mas mesmo assim as pessoas não são soltas por outras orientações que não as judiciais. Mas em que país estamos?


"O PERIGO DO NÃO-ESTADO E DO CAOS’’ 

 

Qual é a conclusão disto tudo?

Não posso concluir nada. Uma vez disse uma coisa, e as pessoas acharam que era um exagero. Não sei se é um exagero. Eu disse que estamos a caminhar para uma situação de não-Estado. Porque quando começas a usar a força pela força, estás a convidar as pessoas a defenderem-se com a sua força E isso é uma situação de não-Estado e aí é que está o perigo. E é esse perigo que eu tento mostrar, mesmo aqueles que pensam que têm poder. Porque o poder é relativo, muito relativo. Provavelmente aquele que pensa que tem o poder não é quem carrega a arma, porque ele pensa que dá ordens e o que carrega a arma faz o que ele manda. E quando deixar de obedecer? Entrámos no caos, e é esse caos que temos de evitar, porque o caos não é favorável a ninguém. Leva-se muito tempo a aprender isso, mas devia ser a primeira lição que devíamos todos aprender. As pessoas dizem que o Domingos é diplomata e não sei mais quê. A política é suposta ser um exercício teórico. Não de meter medo ao outro. Agora tu tens que estar de acordo comigo, porque eu tenho mais força. Será que isto é política?

Outra questão problemática para o seu país é a relação com o vizinho Senegal, em particular o acordo sobre a gestão da Zona Marítima Conjunta, que o Presidente Embaló assinou com o seu homólogo de Dacar, mas que uma resolução do Parlamento de Bissau considero nulo e sem efeito. Acompanha este dossiê?   

Eu tive a oportunidade de falar deste assunto com o então Presidente Mário Vaz, e em pelo menos duas ocasiões com Macky Sall, o chefe de Estado senegalês, e dizer-lhe qual era a minha visão e a minha expetativa.  O Senegal é um país estável e uma democracia já bastante mais consolidada e sempre considerei que podia ser uma referência positiva para a Guiné-Bissau. Numa das conversas que tive com o Presidente do Senegal, e era uma conversa absolutamente amigável, disse-lhe que na minha avaliação Senghor, o primeiro chefe de Estado senegalês, pode e será sempre considerado o pai do Estado senegalês, e para mim Abdou Diouf será sempre o pai da democracia senegalesa. E por esta ordem eu considero que o Presidente Abdoulaye Wade é quem lançou o programa de infraestruturação do Senegal. E depois perguntei a Macky Sall qual seria o seu legado. E ele retorquiu, perguntando-me também se eu achava que eles já tinham feito. Respondi-lhe que não, mas que teria de continuar um pouco daquilo que os seus predecessores já tinham feito. E então ele quis saber a minha visão sobre o que devia ser feito. Disse-lhe que a minha visão é que ele devia ter uma agenda pan-africana. O desenvolvimento dos nossos países será muito difícil se não congregar um movimento bastante mais abrangente. Na nossa sub-região, ter um conjunto como a Guiné-Conacri, Guiné-Bissau, Gâmbia, e Senegal, numa mesma perspetiva de desenvolvimento, pode ser a grande alavanca para o nosso desenvolvimento. E acho que neste grupo de países o Senegal tem todos os requisitos para ser realmente a grande referência. Mas para que tal aconteça, é preciso que a estabilidade não seja exclusiva de Dacar, mas que também prevaleça em todos os países da sub-região. E para que a infraestruturação não se limite apenas ao Senegal e possa alargar-se aos países vizinhos. E na altura dei o exemplo da linha férrea que se estava a projetar entre Dacar e Ziguinchor, no Casamansa, sul do Senegal. E perguntei-lhe de que serviria isso. Uma coisa absolutamente diferente era quando somos capazes de ligar a capital senegalesa a Boké, na Guiné-Conacri, e o Mali. Ai é outra coisa. Ai vamos criar nós de desenvolvimento, que vão realmente impulsionar outros níveis da qualidade de vida dos nossos cidadãos. Sempre acreditei que o Senegal e outros países podem realmente desempenhar este papel. Infelizmente, o tempo depois mostrou que o Presidente não partilhava da minha visão. Mas espero que, se não ele, que sejam outros estadistas senegaleses a compreenderem que têm a obrigação de evitar que os guineenses continuem a desconfiar da boa ou má vontade dos senegaleses. Porque todos sabemos da fragilidade do Estado guineense, agora aproveitar dessas fragilidades para penalizar ainda mais a Guiné-Bissau, não é uma boa estratégia para o Senegal. Eu sempre disse e insisto que gosto do Senegal e dos senegaleses. Tenho lá amigos e familiares, mas não posso deixar de gostar mais da Guiné-Bissau. E se isso é um crime, não tenho como. 

Para muitos guineenses este diferendo com o Senegal sobre o acordo na zona marítima conjunta onde há petróleo pode se revelar uma autêntica bomba atómica.

Absolutamente. Países frágeis podem se dar ao luxo de permitir essas incógnitas, esses tiros no escurso. Mas um país consolidado como o Senegal não devia ir por essa via. A questão do petróleo é sempre muito sensível. Falei disso no primeiro encontro que tive com o Presidente do Senegal. Disse-lhe que subsistem estereótipos, muitos complexos e o guineense olha para o senegalês sempre como um djila, comerciante ambulante. Por seu lado, os senegaleses olham para o guineense, e pensam que somos todos guerreiros. E propus-lhe que nos reencontremos, que sentemos à mesma mesa, com os artistas, os fazedores de opinião, os intelectuais, e nos conhecermos, e ao conhecermo-nos, não termos o complexo de debater os nossos assuntos. E quais são os nossos assuntos? Há um princípio da intangibilidade das fronteiras herdadas do período colonial, do respeito pelas fronteiras existentes no momento da acessão à independência, que foi adoptado em 1958. Como é que depois descobrimos que se faz referência a um acordo de 1960, para dizer que esse acordo estabelecido é que delimita as fronteiras entre a Guiné-Bissau e o Senegal. Naquela altura a Guiné podia não ter muitos quadros e o Senegal provavelmente tinha muito mais, mas hoje temos. Vamos sentar a uma mesa e vamos perguntar porquê que os ângulos que definem a nossa plataforma continental têm uma curvatura, que fecha as nossas águas, enquanto que para todos os outros países é diferente. Porquê que é assim? Na quela altura o fiel depositária da fronteira do Senegal era a França, enquanto da Guiné era Portugal. Mas nas negociações na Holanda, quem foi advogar a causa da Guiné-Bissau foi a Argélia. Manifestamente, não tínhamos os suportes necessários. Mas hoje há teses sólidas de estudiosos guineenses sobre esta matéria. Então num país normal não devíamos já ter colocado à volta de uma mesa todas essas competências e dizer-lhes, gente nós somos irmãos dos senegaleses e não queremos guerra com eles. Mostrem-nos o que é do nosso direito. E a partir do momento em que esses direitos estejam definidos, o chefe de Estado da Guiné-Bissau devia sentar-se com o seu homólogo do Senegal e dizer-lhe, este é o entendimento que os guineenses têm desta problemática, e perguntar-lhe o entendimento que os seus técnicos em relação a isso. Vão explicar. E a seguir vão encontrar uma terceira entendida, neutra, que se senta entre ambos e diz as regras que estão a ser aplicadas para a definição da plataforma continental são estas. E é isto que deve ser seguido. Mas não. Em vez disso, o que o ouvimos do chefe de Estado guineense é não e não. Não tenho a obrigação de ouvir ninguém. Eu não tenho que seguir a Assembleia Nacional Popular para resolver um problema deste. Começou por garantiu que não assinou nenhum acordo secreto sobre o petróleo com Dacar, mas finalmente acabou por reconhecer que realmente assinou. O que é isto?

E o primeiro-ministro levou um ano para ir ao Parlamento informar que o acordo foi rubricado sem o seu conhecimento.

Isto é sério. Sem querer desculpar a parte guineense, conhecendo as nossas fragilidades, estou mais propenso a compreender porquê que as coisas acontecem como acontecem na Guiné. Uma comparação que ilustra bem esta fragilidade, é o facto do Senegal, em 66 anos de independência ter tido quatro Presidentes da República, enquanto nós já vamos em quase dez em 49 anos de soberania. Sendo mais consolidado que a Guiné-Bissau, o Senegal tinha a obrigação de promover uma visão pan-africana. E nessa visão pan-africana convencer o povo guineense que não está a tirar nenhuma vantagem, mas está a apoiar a Guiné-Bissau no seu processo de consolidação e de desenvolvimento. Quem não faz isso do lado do senegalês, não está a ajudar o Senegal, porque está a consolidar o sentimento dos guineenses, de que estamos a ser roubados.

Como analisa a outra questão não menos problemática, e que pode causar danos às relações com Dacar, que é a vinda de uma missão militar da CEDEAO?

Como todos os casos que mencionou, penso que é importante não fazer as coisas à revelia das leis e da preocupação dos cidadãos. Quando se força a barra, normalmente a coisa não corre bem. Repare que uma missão da CEDEAO é sempre apresentada como uma missão de estabilização e de paz. Ora não se pode promover a estabilidade e a paz sem o contributo dos guineenses. Portanto, as primeiras pessoas que precisam saber que realmente é uma missão de paz são os guineenses. E o primeiro erro é vir sem um mandato. E o segundo erro é envolver militares de países limítrofe, que no imaginário do guineense podem ter outra agenda. É absolutamente falsa a comparação que se faz de que antes já tinham vindo outras missões de paz da CEDEAO. Mas não é esse o problema. Na primeira vez que veio uma missão, ela foi solicitada pelo Presidente Nino, e nós vimos o que acabou por acontecer. Mesmo nessa altura a Assembleia reuniu-se para o efeito, mas concluiu que não tinha capacidade para se pronunciar, porque prevalecia então a lógica de guerra. O africanista sueco da Universidade de Uppsala, Lars Rudebeck, considerou essa sessão parlamentar de histórica, por ter ousado reunir-se e concluído que não tinha condições para deliberar. E portanto, colocaram nas mãos do Presidente, que tinha suspenso a Constituição, a tomada de  decisão. Logo que houve um cessar-fogo, após o Acordo de Abuja, ai a Assembleia foi chamada a pronunciar-se, para que a ECOMOG pudesse vir. Essa foi a primeira missão. A segunda missão foi a da União Europeia, que tinha só 120 homens, que vinha só para garantir a segurança das pessoas que vinham trabalhar no projeto da reforma do Sector da Defesa e Segurança. Em relação à MISSANG, não tem rigorosamente nada a ver. Veio depois da tentativa de levantamento militar de 1 de abril de 2010, e acompanhei todo o processo. Numa reunião da CPLP em Luanda, perguntou-se ao então Presidente Malam Bacai Sanhá se trazia uma solicitação formal do Governo guineense, com base numa resolução da Assembleia. Quando ele disse que não, o assunto foi adiado para setembro, em Nova-Iorque. Aí ele já levava a nota que demonstrava que havia consenso entre os órgãos de soberania sobre esta matéria. E foi nessa altura que se lançou a ideia de uma força da CPLP para a Guiné-Bissau. Mas os outros países não estavam disponíveis, Angola avançou com a Guiné-Bissau. Nessa altura achei que era uma péssima decisão, e vim até Bissau chamar a atenção para os riscos que essa missão comportava.

Como é que explica que já se encontrou mais que uma vez com o Presidente João Lourenço, e este ainda não recebeu o Sissoco Embaló?

O Presidente de Angola é presidente do MPLA. E eu sou líder do PAIGC. E é importante as pessoas terem presente que as relações entre o MPLA e o PAIGC existiram antes mesmo da existência dos respetivos Estados. É uma relação histórica, desenvolvida pelos ex-líderes e que nós temos a obrigação de prosseguir. Eu não fui recebido só uma vez pelo Presidente João Lourenço. E o mesmo era válido para o próprio Eduardo dos Santos, com o qual me encontrei várias vezes. Encontrei-me com João Lourenço já várias vezes, e talvez seja relevante dizer que os nossos encontros aconteceram também antes de ele ser Presidente do MPLA e presidente de Angola. Mesmo em situações particularmente difíceis para ele. E considero-o de certa forma um amigo. Portanto, não devia estranhar às entidades oficiais um encontro entre nós, porque tem um componente de foro pessoal e outro partidário. E tenho quase a certeza de que vai haver um encontro entre ambos, e se ainda não aconteceu deve ser porque as respetivas agendas não o permitiram. Eu sei que Angola, o MPLA e o Presidente Lourenço respeitam as instituições e com base nisso saberão separar as águas. E havendo uma coincidência de datas, lugar ou visitas, esse encontro acontecerá. Aliás, já houve uma visita, por ocasião de uma cimeira da CPLP em Luanda. Acho que estamos perante uma tentativa de criar problemas lá onde eles não existem.

Os projetos da Bauxite Angola no sector de Boé e de construção do porto de Buba estão em ponto morto há uma década. Tem informações sobre  estes dossiés?

Não conheço a situação do projeto de exploração de bauxite, mas há novos desenvolvimentos em relação ao porto de Buba. O BAD financiou a atualização dos estudos de viabilidade, para a montagem de um novo projeto. No início do atual mandato não se acautelou a questão das relações com Angola, que devia ser suprapartidária. Angola é um parceiro importante para a Guiné-Bissau. Devido a todo o carinho e atenção demonstrados por Luanda em relação ao nosso país, por mais fraturantes que sejam as nossas querelas internas, devíamos evitar de nos imiscuirmos neste tipo de quezílias. Por mais amigo que ache que sou e posso ser do Presidente Lourenço, tenho sempre o cuidado de não parecer que estou a beliscar o outro lado ou outra pessoa. Eu não faço parte do debate político em Angola e por isso tenho a obrigação de respeitar as pessoas. Porque algo não me favorece, não posso pôr em causa toda uma relação. Põe em causa as relações e depois quer reconstituir as relações e fica difícil. Não estou a admitir que seja esta a razão para o maior esfriamento das relações com Angola. Pode ser uma das razões, mas não é a única.

Angola não tem embaixador em Bissau, mas abriu uma embaixada em Dacar.  

Não tem. Mas também aí está. Há uma redefinição de toda a geopolítica. Está a acontecer com a União Europeia. Se não tivermos capacidade de manter um programa de cooperação mutuamente vantajoso as pessoas vão reequacionar o nível das relações.

Para ex-rebelde na África Ocidental, sua lealdade ainda está com a Rússia

FONTE: New York Times

O Kremlin armou uma geração de combatentes da liberdade na África, como Joana Gomes, que ajudou a Guiné-Bissau a conquistar a libertação. Portanto, sua decisão de ficar do lado de Moscou em sua guerra com a Ucrânia nunca esteve em dúvida.


Quando seu país precisou de armas para travar sua amarga guerra de libertação contra seu colonizador, foi a União Soviética que as forneceu. Quando seu país precisou de trabalhadores médicos para cuidar dos feridos da guerra, enviou-a para treinar como enfermeira – na União Soviética.


Assim, quando Joana Gomes, agora deputada na Guiné-Bissau, país da África Ocidental, ouviu falar da guerra entre a Rússia e a Ucrânia, a sua lealdade foi clara desde o início: seria com a Rússia, embora às vezes ela deslize e ainda a chame de União Soviética.


Foi com as armas deles que conquistamos nossa independência”, disse Gomes, 72 anos, em uma tarde chuvosa recente, cozinhando o almoço em casa na capital, Bissau. “Se não fossem eles, ainda hoje não teríamos nossa independência.


Quando a Rússia invadiu a Ucrânia em fevereiro, algumas vozes estavam ausentes do concerto global de condenação, muitas delas africanas. Dezesseis dos 35 países que se abstiveram da votação das Nações Unidas para condenar as ações da Rússia estavam na África, assim como um dos cinco que votaram não, a Eritreia.


Para muitos países africanos, os laços com Moscou são profundos. A União Soviética apoiou muitas guerras de libertação africanas, fornecendo treinamento, educação e armas para combatentes da liberdade como a Sra. Gomes. Quase seis décadas depois, ela não esqueceu.


Em 1964, quando ela desceu de um avião na URSS, a primeira coisa que os patrocinadores de Gomes fizeram foi entregar suas luvas, um chapéu e um casaco pesado.


Ela tinha 14 anos. Até então, ela nunca havia saído da Guiné-Bissau, um pequeno país da África Ocidental que conquistou a independência de Portugal em 1974, após uma guerra de uma década.


Mas sua jovem vida já estava cheia de drama, violência e tragédia. Seu pai, um defensor declarado da luta de libertação, foi assassinado por um de seus companheiros quando a Sra. Gomes tinha 13 anos.


Com o coração partido, ela partiu para as linhas de frente florestais da guerra. Ela decidiu que o único homem que poderia ajudá-la a obter justiça para seu pai era Amilcar Cabral, o líder do movimento de libertação e um dos filósofos anticoloniais e líderes militares mais emblemáticos da África.


Sua marcha de três dias para encontrar o Sr. Cabral no esconderijo usado por ele e seus guerrilheiros valeu a pena. O assassino acusado foi preso. Mas a luta contra os portugueses estava apenas começando, e a Sra. Gomes foi empurrada para uma das guerras de independência mais brutais do continente.


Quando o Sr. Cabral, fundador do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde, ou P.A.I.G.C., enviou centenas de jovens guineenses para treinamento na URSS, a Sra. Gomes estava entre eles. Quando ela voltou cinco anos depois, uma enfermeira habilidosa e fluente em russo, a guerra se intensificou.


Ela trabalhou longos dias na linha de frente em clínicas improvisadas, ao lado de seus companheiros e médicos de Cuba, curando feridas de soldados e salvando a vida de civis pegos no fogo cruzado. Em uma ocasião, ela puxou estilhaços do peito de uma mulher que estava grávida de oito meses, salvando mãe e filho.


Um de seus momentos mais inesquecíveis aconteceu na véspera de Ano Novo, quando 1972 estava terminando. Naquela manhã, ela usava um vestido rosa em vez de uniforme militar, pois esperava uma pequena festa para comemorar. Ela estava em um vilarejo a poucos quilômetros de seu acampamento base, recebendo ordens de resgatar um colega soldado que se recuperava de uma infecção no peito.


Mas assim que o café da manhã estava começando a ferver em fogo aberto, a Sra. Gomes ouviu tiros inimigos, e ela correu para a cobertura da floresta. “Talvez seja a hora que eu morra”, ela lembra de pensar consigo mesma. Mas então, ela tropeçou, e um pequeno foguete bazuca voou acima de onde sua cabeça estava. Ela não conseguiu chegar à festa de Ano Novo, mas conseguiu sair viva da emboscada.


Stephanie J. Urdang, uma jornalista nascida na África do Sul, passou dois meses reportando nas linhas de frente da guerra de libertação da Guiné-Bissau e escreveu “Fighting Two Colonialisms: The Women's Struggle in Guinea-Bissau” sobre as contribuições que mulheres como a Sra. Gomes tiveram na luta pela independência.


Atribuídas como enfermeiras, professoras e transportadoras de alimentos e armas, as mulheres foram confiadas para garantir que os guerrilheiros tivessem lugares para morar e comida para comer, disse Urdang. Mas seus papéis na obtenção de apoio popular no campo foram talvez ainda mais importantes.


As pessoas nas aldeias sabiam o que os portugueses estavam fazendo com eles. Eles sabiam disso por causa de sua incapacidade de vender suas colheitas a um preço justo, eles sabiam disso pela forma como foram levados para o trabalho forçado”, disse Urdang.


Então, quando o P.A.I.G.C. chegaram e iam se livrar desses opressores, e aí quando viram escolas sendo construídas, postos de saúde sendo construídos e campanhas de alfabetização para as pessoas, foram prestados muitos serviços que não existiam antes - houve uma mobilização séria”, disse a Sra. Urdang.


Vencida a guerra, em parte graças a essa mobilização, a Sra. Gomes voltou para a União Soviética, onde se formou médica antes de retornar à Guiné-Bissau em 1987 para trabalhar em hospitais locais.


Sra. Gomes, centro-direita, durante sua formação médica em Kyiv. Quando regressou à Guiné-Bissau, era uma enfermeira habilidosa e fluente em russo. Ela se tornou diretora do centro nacional de reabilitação física e depois trabalhou como inspetora de unidades de saúde do Ministério da Saúde, um início de sua experiência no governo.


Então, alguns anos atrás, ela decidiu mais uma vez empregar seu conhecimento médico nas linhas de frente – da política, desta vez, não da guerra.


Em 2019, no sudoeste rural do país, durante sua campanha por um assento no Parlamento, Gomes supervisionou um esforço para entregar dezenas de novos leitos a um pequeno hospital. Ela queria mostrar que estava determinada a fazer algo sobre o terrível sistema de saúde na Guiné-Bissau, cujos cidadãos têm uma expectativa média de vida de 58 anos.


A Sra. Gomes ganhou sua eleição, mas seus esforços para melhorar um sistema de saúde que fica perto do último lugar nos rankings globais encontraram obstáculos endémicas.


Desde a independência, a Guiné-Bissau tem lutado para se firmar em meio a lutas internas e pressões externas. Houve quatro golpes e muitos outros foram tentados.


Neste país tão dominado pela água, mangais e ilhas, pode parecer que os cidadãos estão sempre esperando a mudança da maré para chegar a algum lugar – a maré física ou a política.


A pequena casa de concreto da Sra. Gomes em Bissau está em constante estado de destruição e reconstrução. O mesmo acontece com seu país, onde os cidadãos precisam lidar com hospitais, escolas e infraestrutura não confiáveis. Sra. Gomes em sua casa em Bissau, capital. Como legisladora, ela se concentrou em melhorar o sistema de saúde da Guiné-Bissau.


Então, em maio, o presidente, Umaro Sissoco Embaló, dissolveu a Assembleia Nacional, aprofundando o ciclo de instabilidade política do país.


Com seu trabalho parlamentar tentando melhorar o sistema de saúde do país agora parado, Gomes teve mais tempo para refletir sobre a guerra entre a Rússia e a Ucrânia.


Seu treinamento de enfermeira foi em Kyiv, então parte da União Soviética, e ela disse que simpatiza com os dois lados. “Passei minha juventude na Ucrânia, tenho amigos lá, não quero que as pessoas sofram. Eu gostaria que houvesse um entendimento entre a Ucrânia e Putin”, disse ela. “Eu estava em uma guerra, eu sei o que é guerra, eu sei o que é sofrer em uma guerra.


Mas apesar de todas as lutas diárias que ainda fazem parte da vida na Guiné-Bissau, uma conquista duramente lutada ainda está intacta: a independência.


E o papel do Kremlin nisso ainda é lembrado com gratidão, e ela discorda de muitos que consideram a guerra um ato de agressão russa injustificada. “Ucrânia, por que eles queriam se juntar à OTAN?” perguntou a Sra. Gomes. “A Rússia não aceita isso.” A OTAN, ela observou, “é uma inimiga da União Soviética. Se alguém é meu inimigo e eu digo ao meu pai que vou para a casa deles – para a casa do meu inimigo – isso é bom?”


Armas usadas durante a guerra de libertação da Guiné-Bissau, muitas das quais fornecidas pela União Soviética, expostas num museu da capital.


Em seu apoio à Rússia, ela está longe de estar sozinha na Guiné-Bissau, ou mesmo na região mais ampla, onde toda uma geração conquistou a libertação dos opressores coloniais com a ajuda soviética.


Manuel dos Santos, ex-combatente da liberdade na Guiné-Bissau que serviu em vários cargos ministeriais, também foi claro sobre o seu apoio. “Se eu tivesse que tomar partido neste momento – e não preciso – mas digamos que precisei, diria que a Rússia foi provocada de todas as maneiras”, disse ele.


Não muito longe do edifício da Assembleia Nacional no centro de Bissau, no Museu da Libertação Nacional da Guiné-Bissau, estão expostas muitas armas fornecidas pelos soviéticos.


Eu costumava ter uma Kalashnikov. Os portugueses tinham armas americanas”, disse Dos Santos. "É simples assim. Eu entendo o senso de compromisso por causa do que a União Soviética fez", disse a Sra. Urdang, a escritora. “Mas isso era a União Soviética. A Rússia é diferente agora.


Seja qual for o lado em que estejam, as pessoas na Guiné-Bissau sentiram os efeitos da guerra em primeira mão. As filas nos postos de gasolina foram piores nesta primavera, quando a escassez de combustível fez com que os motoristas passassem horas esperando para abastecer. Mas recentemente, os preços dos ônibus e táxis aumentaram devido aos custos mais altos de energia.


Apesar de sua apreciação pela URSS, a Sra. Gomes não abraçou seu ateísmo. Em um domingo recente, ela se preparou para frequentar uma das três igrejas evangélicas onde cultua.


Enquanto estava lá, ela planejava rezar pelo fim das crises políticas da Guiné-Bissau. Ela observou que lutava por seu país desde a adolescência. Mas agora, parecia que tudo o que ela podia fazer era esperar a maré mudar. “Sinto dor, como ex-combatente da libertação. Pelo que lutamos?” ela perguntou. “Guiné-Bissau, está sem governo, sem nada agora.

PAIGC ENVIA MENSAGEM AO MPLA PELA MAIORIA ABSOLUTA NAS ELEIÇÕES

 


Comandante Manuel dos Santos faz 80 anos

CONVOCATÓRIA

Pela ocasião do 80°Aniversário Natalício do Camarada Manuel Dos Santos Manecas, convidamos o vosso órgão de imprensa para a cobertura de uma cerimónia simbólica a ter lugar amanhã, Terça-feira, 30 de Agosto pelas 11 Horas a ter lugar no Salão Nobre Amílcar Cabral na Sede do PAIGC  em Bissau.

Ciente de que a vossa cobertura mediática irá contribuir na mais ampla difusão da cerimônia, subscrevemos com elevada consideração.


Bissau, 29 de Agosto de 2022

O Secretariado para a Comunicação

segunda-feira, 29 de agosto de 2022

ÚLTIMA HORA - PJ detém Cassimo Turé, terrorista luso-guineense do Daesh

 FONTE: CORREIO DA MANHÃ


Cassimo Turé, luso-guineense, de 47 anos, foi esta segunda-feira detido pela PJ à chegada ao Aeroporto de Lisboa para cumprir pena pela prática de crimes de adesão, apoio a organização terrorista internacional e financiamento de terrorismo internacional.


O homem viajava de Bissau e tem vários mandados de detenção por terrorismo e ligação ao Daesh. O detido tratava da documentação de cidadãos europeus para irem combater para a Síria.

Turé já estava condenado a uma pena única de oito anos e seis meses de prisão.

Cassimo Turé vai ser conduzido ao estabelecimento prisional para cumprimento de pena.

EXCLUSIVO DC - “NÓS TEMOS O DIREITO DE REALIZAR O NOSSO CONGRESSO E DE PARTICIPAR NAS ELEIÇÕES”, Domingos Simões Pereira, líder do PAIGC (PARTE 1)

ENTREVISTA: Fernando Jorge Pereira

FOTOGRAFIAS: Elca Pereira


OBS: Por a entrevista ser muito longa, será publicada em 2 ou 3 partes



     Domingos Simões Pereira, Presidente do PAIGC


Depois de sucessivos adiamentos, o X Congresso do PAIGC ainda não tem data e aguarda-se uma decisão da justiça. Vê alguma luz ao fundo do túnel? 

Depois de duas marcações e de dois adiamentos, é difícil prognosticar datas. Temos que reconhecer que a questão judicial foi o mecanismo encontrado por aqueles que querem a todo o custo impedir o PAIGC de realizar a sua reunião magna. Apesar do envolvimento indevido de instâncias políticas que não deviam ter nenhuma interferência no processo, vamos esgotar tudo o que for possível a nível judicial. Continuo a acreditar que em algum momento todos os atores políticos hão de compreender que essa modalidade não funciona. Perante um partido histórico como o PAIGC, respeitador das normas internas, da Constituição da República, e que insiste em convocar a nação guineense para um quadro de diálogo e de apaziguamento, e que do outro lado tem uma determinação em fazer jogo sujo e de comprometer a justiça, eu vou preferir continuar a achar que em algum momento vamos acordar e todos vão compreender que é chegado o momento de deixar desses jogos. Aproveitamentos baixos e golpes dessa natureza terminam sempre mal. E era bom que essa compreensão fosse a mais generalizada possível. Agora eu só quero dizer uma coisa muito clara e muito simples. Se o PAIGC é arredado de participar nas eleições, o processo terá todo o tipo de rótulo, menos de democrático, menos de livre e menos de transparente. E ai, não serão só os militantes do PAIGC a serem confrontados com essa realidade, mas todo o povo guineense.

E o processo judicial já está esgotado? Estão à espera de que?

Aqui está o paradoxo de todo este quadro. Porque perante uma primeira providência cautelar que contestava o guião do congresso, e que o juiz caucionou, o PAIGC decidiu eliminar o guião contestado e repetir todo o processo. Em face desta decisão, o juíz compreendeu que deixou de haver assunto para contencioso. O paradoxo é que quem passou a ganhar a causa, decidiu recorrer. Ganha a causa, mas recorre, o que tecnicamente é um absurdo. Não sou jurista e nem pretendo fazer aqui uma análise jurídica, mas penso que as leis só valem quando têm alguma utilidade. Quando não tem, é um exercício absolutamente absurdo. E portanto, é o próprio vencedor do processo que recorre, para que entre em vigor a suspensão da decisão tomada pelo juíz. Assim, o juíz disse que deu razão ao queixoso e vocês se anteciparam e aplicaram a razão de acordo com o que eu tinha decidido, mas como ele recorreu, eu sou obrigado a aceitar o recurso e levá-lo ao Tribunal de Relação. E o paradoxo não termina aqui. É que chegamos ao Tribunal de Relação e este estava completamente esvaziado dos seus membros. Todos os seus juízes foram promovidos para outras instâncias, nomeadamente para o Supremo Tribunal de Justiça, e não tem elementos suficientes para reunir e apreciar quaisquer recursos que ali cheguem. E todos os processos ficam estagnados.

Face a este bloqueio, o seu partido tem um plano B?

O PAIGC terá sempre um plano alternativo para todos os cenários. Não diria para contornar, mas para que as leis sejam respeitadas e tudo possa realmente acontecer a seu tempo. Desde que estou à frente do PAIGC venho alertando as pessoas que quando deixa de haver alternativas obrigam as pessoas a recorrer à violência. E este país já conheceu violência suficiente para perceber que devíamos exercer outro tipo de alternativas. Portanto, espero que as pessoas acordem a tempo de compreender que forçar a não realização do congresso do PAIGC é um absurdo. Vou dar outro exemplo. Curiosamente, para além da primeira providência cautelar, uma outra, com os mesmos argumentos e eventualmente até produzidos pelos mesmos advogados, deu entrada e um outro juiz considerou absolutamente improcedente esse recurso. E o próprio texto do despacho do juiz mostra que é um absurdo submeter a vontade de milhares de pessoas que são os militantes e dirigentes do PAIGC a vontade de uma só pessoa. E o juiz vai mais longe e diz que se estivéssemos a dois ou três anos do congresso, o tribunal poderia recomendar ao partido a convocação do congresso para dirimir o problema. Mas afinal o que está em causa é realizar o congresso. Como é que se pode impedir um partido de realizar o congresso, sob o pretexto de que há um ou outro militante descontente, se o congresso é a instância máxima do partido e com competência para dirimir qualquer situação. Portanto, o juiz mostrou aquilo que já sabíamos, que era um absurdo, e que portanto, a instância judicial está simplesmente a ser usada para cumprir agendas que são absolutamente políticas.

Como é que lida com o facto de algumas personalidades que foram próximas da sua liderança já terem manifestado a intenção de concorrer à presidência do partido?

Primeiro é preciso dizer que este processo de aprendizagem da democracia é bem mais difícil para uns do que para outros. Há quem tenha grandes dificuldades de se ajustar às regras democráticas. E a regra democrática vincou no PAIGC. Todo aquele quadro de confusão que acompanhava todo o processo para o congresso deixou de existir. E isso complica o entendimento de muita gente. Hoje, no PAIGC, conforme os estatutos, o que se pede aos militantes, a qualquer militante que entenda poder servir o partido na condição de seu líder, que comece por apresentar uma visão estratégica, e que através dessa visão estratégica demonstre que alterações, reformas e contribuições é que pode dar ao partido. E ao apresentar essa moção estratégica deve dar oportunidade para que todo o país conheça essa visão estratégica e que pelo menos uma ou duas pessoas de cada região possa subscrever a moção estratégica. E é chegado ao congresso que as várias moções estratégicas são postas à votação. E em resultado dessa votação temos a nova liderança e a partir dessa altura todos devemos alinhar com essa nova liderança e avançar. 

Citou alguns nomes e realmente custa-me ver pessoas que estiveram e continuo a dizer que ainda estão comigo nesta lide e viram tudo aquilo pelo qual nos batemos estes anos todos e que querem a viva força reintroduzir a confusão, transformar a intenção de serem candidatos à liderança do PAIGC quase que numa batalha campal. Pergunta-se a uma pessoa qual a sua visão estratégica para o partido, e dizem que o Domingos tem que saír. Ora isso não é uma visão. Não é isto que vai servir o partido.

Já agora, é candidato à sua própria sucessão. Ou a questão é tabu?

Repare, aqui há uma componente política e outra técnica. Tecnicamente só se é candidato no congresso, ao apresentar a moção estratégica. Agora, politicamente, será que apresentei uma moção estratégica? Sim, apresentei, que já estava até distribuída e tive que recolher uma parte delas e que vai estar nas mãos dos delegados ao congresso. Se não receber a subscrição suficiente dos delegados ao congresso, não me transformo em candidato. Mas parece evidente que terá subscrição suficiente. O problema é que eu não posso comparar a minha visão estratégica com a visão de mais ninguém, porque eu não conheço nenhuma outra visão estratégica. Fala-me por exemplo de outro possível candidato (o ex-Presidente da República Raimundo Pereira), que eventualmente terá o apoio de um antigo presidente do PAIGC. Eu não quero mencionar nomes, mas para mim também é triste verificar que pessoas que já serviram o país e o próprio partido noutras competências e que foram competências muito importantes, não perceberem que o exercício político é um exercício de serviço à nação, e esse serviço à nação tem que ser em todas as escalas alinhadas com princípios que sejam aceites pela organização, neste caso a organização política que é o PAIGC. Repare, em 2017, por minha iniciativa lançamos a primeira convenção do partido. Fiz questão de convidar todas essas pessoas que estavam fora da direção a participar na convenção, e deste modo tiveram a possibilidade, por cooptação, de reintegrar a direção e de participar diretamente no congresso seguinte, sem necessidade de passarem pelo processo eleitoral nas bases. E no congresso tiveram o mesmo direito que eu tive. Posso citar-lhe os nomes de algumas das personalidades que convidamos, nomeadamente os ex-Presidentes da República Serifo Nhamadjo e Raimundo Pereira, assim como os antigos primeiros-ministros Rui Barros e Aristides Gomes, e também o conhecido economista Paulo Gomes, que no entanto não compareceu ao evento. Portanto, todas essas figuras, que eu achei que podiam ter coisas importantes a dizer e a contribuir para o partido, foi-lhes dada a oportunidade de poderem ir e participar no congresso. Agora imagine, alguém que vai ao congresso, é eleito membro do Comité Central (CC), sai do CC e nunca mais participa nas reuniões do partido e decide suspender a sua militância e o seu estatuto de membro do CC porque pretende apoiar outro candidato presidencial a revelia daquilo que é a indicação do partido. Faço aqui um parêntesis para dizer que os Estatutos do partido indicam que três ausências em três reuniões consecutivas do CC implica a perda do estatuto de membro do CC. Desde essa altura nós teremos feitos mais de duas dezenas de reuniões do CC e essas entidades nunca participaram. Para de repente, agora ouvirmos os rumores de que essa personalidade regressa à ribalta. O apelo que eu teria a fazer é que é preciso que as pessoas elevem o nível do nosso debate político. Pessoas com esse nível têm a obrigação sair da clandestinidade. É impossível servir o partido e o país de forma leal e honesta fazendo isso na clandestinidade. Quem tem ideias e se essas ideias podem servir o partido e o país, que compareça no partido, que defenda as suas posições e que dê a oportunidade ao partido de ouvir a sua visão estratégica e em função dessa visão estratégica permitir que as pessoas digam se estão de acordo ou não estão. E portanto, a clandestinidade e a tentativa quase de condicionar a realização do congresso ao facto do presidente do partido ter que ser afastado para eles poderem ter uma opção, não é opção.


Acha que o objetivo é forçar a barra para afastar Domingos e assim abrir caminho aos seus concorrentes?

Absolutamente. Todo o mundo já percebeu que esse é o objetivo do bloqueio ao congresso. Aliás, eu já recebi vários recados nesse sentido. Se se afasta, todos os problemas terminam e aí tudo volta a normalidade. É triste e vergonhoso.

Não admitem a possibilidade de fazer aliança circunstancial com outra força política para contornar este bloqueio?

Tecnicamente este cenário é possível, mas politicamente o PAIGC não considera esta opção, pelo menos neste momento. O PAIGC lutou para a libertação da Guiné-Bissau, para que o conjunto dos direitos políticos e civis sejam respeitados. Se nos encontrarmos perante a necessidade de voltar a fazer uma luta para libertar o país desta necessidade, vamos ter que a enfrentar. Mas não pensamos que seja aceitável que agendas particulares ou de grupos possam comprometer aquilo que é a essência do próprio processo de libertação. Não aceitamos essa condição.

E na eventualidade do processo se complicar e persistir o bloqueio ao congresso, que arranjos tencionam fazer? 

O PAIGC sempre esteve aberto e vai continuar aberto a falar com todas as forças políticas, nomeadamente aquelas que partilham o seu espaço de concertação. Agora, o que nós defendemos é que todos os partidos têm o direito de realizar a sua reunião magna, e decidir em liberdade, não como uma alternativa ou opção. Não, nós temos o direito de realizar o nosso congresso e de participar nas eleições. E vamos fazê-lo. Vai haver desafios, vai haver dificuldades, mas esta parece ser a nossa sina.


Teoricamente haverá eleições em dezembro. O que tem a dizer sobre este calendário?

É o que se diz. Mas desde logo é uma questão. Porque sabe, é um mau exercício político sempre que obrigamos o povo a escolher entre respeitar as leis ou respeitar as instituições, porque deviam estar em alinhamento. Portanto, quem teve a competência de dissolver o Parlamento, leu a Constituição da República e sabia e sabe que devia marcar as eleições num prazo de três meses. E ignora tudo isso e fixa as eleições para dezembro. Não é com outro objetivo, embora possa haver outros calculismos, mas o objetivo é muito simples, desde logo mostrar que não está vinculado a nenhuma lei. Que a partir do momento em que dissolve o Parlamento, passa a reunir o conjunto de todos os direitos, de todas as competências e de todos os poderes, e vai decidindo em função da sua boa vontade. 

Isto pode voltar a instalar a desconfiança e a possível turbulência no processo eleitoral, tal como no passado.

O problema é esse. E vejo tudo isto com muita preocupação. Porque no passado, outras pessoas também já pensaram que podiam ditar a sua vontade, e demo-nos mal. Portanto, estamos a trilhar o mesmo caminho. E é por isso que todos nós, enquanto atores política, temos que ir dizendo que assim não chegamos lá. As leis não existem para serem respeitadas de forma seletiva. Desta vez eu estou de acordo e vou respeitar. Da próxima vez não estou de acordo e não faço. Na auscultação que antecedeu o derrube da Assembleia Nacional Popular (ANP) foi o que dissemos. Foi-nos dito na altura que uma das razões para dissolver o Parlamento era porque o Parlamento não conseguia consensos, que havia muita crispação e muitos problemas. E aquilo que eu disse foi que isto é uma absoluta falta de bom senso. Noutros países e noutras realidades, quando se diz que os problemas estão centrados no Parlamento, as pessoas dizem ainda bem, porque o Parlamento é que tem vocação para lidar com problemas que sejam de natureza fraturantes. Agora você diz que não, acaba com o Parlamento, mas ao fazer isso, será que a questão do acordo de petróleo com o Senegal deixou de estar na mente dos guineenses? Será que a questão da revisão da Constituição deixou de estar na mente dos guineenses? Será que a vinda de tropas da CEDEAO sem um mandato explícito deixou de estar na mente dos guineenses? A única coisa que mudou é que não há instituições vocacionadas para este debate, e o debate passa para o seio da população, para a rua. Basta ouvir o nível do debate em termos daqueles que chamamos ativistas políticos para perceber que é uma falta de orientação política que acaba por obrigar a esse tipo de posturas.     

Outra consequência da dissolução do Parlamento é a impossibilidade de legitimação do mandato da Comissão Nacional de Eleições (CNE), que caducou. 

Esse é outro problema. E não é um problema do PAIGC. É de toda a nação guineense. Contrariamente aquilo que é o entendimento de muita gente, o que a lei diz é que a CNE só está constituída quando todas as suas instâncias estão legalmente escolhidas. E portanto, quando o presidente da CNE sai ou é retirado, não está constituída e não estando constituída a CNE é absolutamente normal que se questione a validade de todas as decisões que forem tomadas pelos elementos que estão na CNE. Esta é uma questão que vai confrontar o conjunto da própria nação guineense.

Tem uma proposta para se encontrar uma saída para esta questão?

Nós na altura o que dissemos é que tanto a Constituição como o Regimento da ANP preveem que em caso de dissolução do Parlamento, a Comissão Permanente da Assembleia assuma a plenitude das competências que eram da plenária. Portanto, o consenso dos partidos representados na Assembleia, podia ajudar a encontrar uma solução para esse efeito. Mas consta que esta solução foi rejeitada. E se foi rejeitada, significa que ostensivamente as pessoas querem conduzir o país para um quadro de bloqueio. E quem conduz o país para o bloqueio, será o primeiro responsável por todas as consequências que daí possam advir.



As Nações Unidas, através do PNUD, tem um projeto de apoiar o relançamento do diálogo político interpartidário. Como encara esta ideia?

Obviamente que apoiaria essa iniciativa. O único senão é que o PNUD às vezes tem dificuldades em pôr o dedo na ferida. Um exemplo que ilustra esta atitude é o de alguém que perde uma moeda num sítio escuro, acha que ali é muito difícil encontrar a moeda, e prefere ir procurar onde há luz, só que não a perdeu onde há luz. Portanto, não faz sentido nenhum. Se nós vamos dissolver o Parlamento para evitar que haja debate sobre assuntos fraturantes, se nós inviabilizamos o funcionamento da Comissão de Diálogo e Reconciliação Nacional, agora vamos propor outros mecanismos? Quer dizer, mecanismos que eventualmente tenham que se ajustar a aquilo que é a vontade de uns. Chamamos a isso diálogo? Porque todo o diálogo devia ser no sentido de aceitarmos a aplicação das leis, o respeito dos princípios e ter a Constituição como a lei suprema. Quando alguém acha que a Constituição não lhe dá o que ele quer e que por isso tem que mudar a Constituição, propor que haja diálogo no sentido de chegarmos a um consenso. Sobre o que? Para lhe dar o que ele quer? 

Não havendo também este diálogo, seria o impasse?

Exatamente, por isso, na justa medida, todas essas instâncias, o PNUD, a União Europeia e organizações afins, deviam assumir as suas responsabilidades. A União Africana e a CEDEAO, que têm as suas cimeiras de chefes de Estado, se a dificuldade está a nível dos chefes de Estado, deviam era ter capacidade de controlo dos pares, e os pares que estabeleçam padrões e com base nesses padrões verificar qual o país que está a cumprir e qual o país que não está a cumprir. Ora os Presidentes recusam a aplicação das leis e multiplicam cimeiras para encontrar soluções.

Alguns observadores consideram que a ordem do dia da última plenária do Parlamento era suscetível de incendiar o país.

Esta asserção é no mínimo curiosa. No fundo, traduzida em miúdos, significa que debater no Parlamento aquilo de que todo o mundo fala nas ruas é incendiar o país. Por isso é que eu perguntava, se não se debater na Assembleia as pessoas deixam de questionar cá fora? Será que nós enquanto guineenses não estamos curiosos em saber o que está a acontecer com o acordo sobre o petróleo? Será que não estamos interessados em saber o que vai acontecer em relação à intenção da tal revisão constitucional?

Com a Assembleia dissolvida, qual é o quadro para o tratamento destas questões fraturantes? 

Há um responsável. É que o Presidente da República chamou a si todas essas competências, o que significa que amanhã, havendo indícios de qualquer posicionamento que seja ´diferente daquilo que era o sinal, não só Assembleia, mas também da Constituição, ele é o único responsável. E aqui há mais um paradoxo. O acordo sobre o petróleo é presumivelmente entre a Guiné-Bissau e o Senegal, mas em Dacar, apesar de ai vigorar um sistema de governo presidencialista, o presidente senegalês teve a obrigação de levar o texto do acordo a aprovação parlamentar, mas em Bissau dispensou-se tal requisito.

Com o argumento de que quando o falecido Presidente Nino Vieira assinou o primeiro acordo também não consultou o Parlamento. 

Isso não é verdade. Porque essa questão foi discutida por mim e pelo então Presidente da República José Mário Vaz e pude mostrar-lhe que Nino Vieira assinou como Presidente do Conselho da Revolução, mas na competência de chefe de Governo, porque no próprio corpo do acordo diz-se que a sua aplicação é delegada ao Governo, através dos Ministérios das Pescas e dos Recursos Naturais. Portanto, todo o processo de aplicação passava pelas estruturas governativas. Só que nessa altura o chefe de Governo também era chefe de Estado. Não tenho a mínima duvido em relação a isso.

Num dos seus encontros com militantes do PAIGC na diáspora, nos arredores de Lisboa, revelou um certo desencanto com o papel da comunidade internacional na gestão da crise na Guiné-Bissau.

Primeiro é preciso dizer que no rescaldo do último contencioso eleitoral, a CEDEAO emitiu um comunicado, no qual diz reconhecer legitimidade de Úmaro S. Embaló enquanto Presidente da República. Mas no mesmo comunicado chamava a atenção para a necessidade de respeitar os resultados das eleições legislativas, e que com base nesses resultados das legislativas o PAIGC tinha saído vencedor e tinha o direito e obrigação de governar. Mas nós vimos que com o passar do tempo, tanto a CEDEAO como a União Africana e outras organizações nunca quiseram abordar esta questão. Foi por isso é que eu disse que a comunidade internacional estava tão acomodada no seu repouso, que não convinha nós perturbarmos esse repouso. Eu insurgi-me e referia-me ao representante do secretário-geral das Nações Unidas na África Ocidental (o chadiano     Mahamat Saleh Annadif), que em determinada ocasião entrou em contacto comigo e indiretamente quase que me responsabilizando por aquilo que devia ser o contributo do PAIGC para a estabilidade interna. Eu não pude deixar de lhe dizer, que a mim me pareceu que ele só me estava a ligar porque eventualmente a segurança do seu pupilo (Sissoco Embaló) parecia não estar tão bem garantida como ele pensava que estivesse. E agora toca a ligar ao PAIGC e a responsabiliza-lo por tudo o que pudesse  acontecer. Então, mas se o PAIGC tivesse algum controlo das Forças Armadas tinha havido o “27 de fevereiro” (a posse dita simbólica do Presidente Embaló)? Se o PAIGC tivesse alguma influência nesse jogo com militares e de segurança tinha sido arredado do poder? É uma brincadeira estar agora a querer dizer que o PAIGC tinha responsabilidade em relação à segurança, quando na realidade o PAIGC foi corrido do poder.

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